Há de haver um dia...
Há de haver um dia...
Em que os poetas nostálgicos
Sejam personagens de um distante passado.
Em que metáforas sobre lobos
Não façam nenhum sentido!
Em que o verso que escrevo hoje
Não tenha motivo para ser lido.
Há de haver um dia...
Em que a saciedade
Seja o motivo do ronco de qualquer estômago.
Em que o maior sonho ambicionado
Seja o sorriso de uma criança.
Em que os barretes não mais abriguem
A ignorância e a vaidade tão bem trajadas.
Há de haver um dia...
Em que nenhuma voz se cale de frio,
Por falta de um cobertor de retalhos.
Em que nenhuma boca seque de sede,
Por falta de copo d’água.
Em que nenhum peito alimente o ódio,
Por falta de um abraço.
Há de haver um dia...
Em que os dedos que apertam gatilhos,
Apertem apenas parafusos de escolas.
Em que as mãos que assinam tratados,
Se estendam àquelas que nunca pegaram em canetas.
Em que os braços que impunham foices pro alto,
Se cansem apenas de arar a terra.
Há de haver um dia...
Em que as bandeiras se dêem conta
De que o vento que as flamula é o mesmo em qualquer lugar
Em que as covas subam e digam:
O fim é o mesmo, pra que brigar?
Em que os muros caiam e mostrem
Que as nuvens não fazem fronteiras.
Haverá uma noite...
Em que o último ouro assista;
-já sem valor algum-, a morte do último corpo.
Este, antes do derradeiro suspiro,
Na solidão das noites sem sombra,
Ao buscar o gelado abraço daquilo que tanto buscou;
Suplicará em prantos inaudíveis
Pelo calor de uma mão
Que a sua indiferença matou!
E num último lampejo de consciência,
Ao buscar com os olhos
Um último olhar de compaixão,
Terá na pele a dor daqueles
Que tiveram como ataúde o próprio chão.
E como extrema unção
O gentil olhar dos abutres famintos.
E o ouro misturado com o pó
Não reverberará o brilho que tanto encantou!