A DIVINA TRAGÉDIA (de "Vozes do Aquém")
Deus errou
ou falhou
ao nos criar
à Sua imagem
e semelhança,
já que, por assim ser,
herdamos todas
as idiossincrasias
e medos.
Cabe ao homem
a dura missão
de corrigir Deus,
de ser diferente,
para assim retornar
aos céus
com uma nova perspectiva
e brilho.
Ao contrário
dos anjos caídos,
não temos nem o consolo
de poder ser antíteses,
já que participamos
por definição
e queremos estar
imersos na origem,
fedendo ao caldo dos primórdios
há bilhões de anos-luz,
tanto que
para cá convergem
os cometas.
Não penso o Pai
como um Ser triste,
mas sim como força inquieta,
esperando até onde
os Seus rebentos
podem ir.
Oro por Ele
com paixão
e também
com ternura,
saudoso do Seu colo,
mesmo que,
tal qual cachorro rabugento,
me enxote
cama abaixo.
Entendo bem
ser parte da Divina Tragédia,
paridos em um lampejo
e depois atirados à terra
pelos raios.
Mas as tempestades moldaram
acidentalmente,
a Inteligência
e nela reside o fator cósmico
não original,
senão pecado,
ao menos alienígena.
É como um calombo
na testa celestial,
visto, as vezes, como chifre,
mas não passa
de momentânea irritação
cutânea,
pretensamente controlada
pela passagem da Eras,
em verdade
transmigrada para a Eternidade,
sob a forma
de Dobra.
O Amor é muito mais
do que espaço contraído,
todo o Tempo cabe
na palma da mão
do Mago,
o qual não quer
ameaçar
nem reivindicar,
mas sim
compartilhar.
Cabe
ao Arcanjo
perceber
que é o momento
de abrir a Porta,
aliás
ela hoje existe
não para
não deixar entrar,
mas sim
para que ninguém
saia.
Terá
o Paraíso
se transformado
em uma Prisão?
O Senhor,
cansado de tantas Infinitudes,
estará atirado ao solo
de seu Castelo
ébrio do tédio?
Temo que sim.
Por isso abro o meu coração
e ofereço
fluido novo
substância estelar renovadora,
matriz dos redemoinhos,
empurrada pelos sopros
das almas
navegantes,
mas nunca mais
errantes.