CORDEIRO INOCENTE- (Tributo a William Blake)

CORDEIRINHO INOCENTE
                                           (Tributo a William Blake)
 
“ Little lamb, Who made thee? ( Cordeirinho, quem te fez?
Dost thou know who made thee?( Tu não sabes quem te fez?
Gave thee life & bid the feed,      (Deu-te vida e esse relvado
By the stream & o’er the mead;  ( Junto aos arroios do prado?
Gave thee clothing of delight,     ( Deu-te a lã clara e macia
Softest clothing wooly bright;     ( Da roupa que te delicia?
Gave thee such a tender voice,   (Deu-te a voz com que cantas
Making all the vales rejoice!       ( E a todos os vales encanta?
Little Lamb, who made thee?     ( Cordeirinho, quem te fez?
Dost thou know who made thee?”( Tu não sabes quem te fez?
                                                            William Blake
 
 
Cordeirinho inocente
Nessa cruz sobre o altar,
Quem fez de ti o presente
Que é preciso entregar
Á uma divindade incoerente?
Ela nunca ficará saciada
Do teu sangue inocente?
 
Por que Ele terá deixado
Que sua obra se perdesse
Pelas mãos de um renegado
Como se poder não tivesse
Para evitar tal resultado?
E depois quis consertar tudo
Fazendo de ti o Sacrificado?
 
Cordeirinho, não estranhas
Essa filosofia tão grosseira
Que exige as tuas banhas
A queimar numa fogueira
Para garantir novo começo?
Quem é que disse que eu queria
Ser resgatado a esse preço?
 
Cordeiro do sacrifício
E se não fosse a Divindade
Que te deu esse ofício
De morrer pela humanidade;
Não é Ele o Pai da Luz?
Por que havia de querer-te
Pendurado nessa cruz?
 
Cordeirinho inocente,
Perdoa a minha heresia
Mas desde antigamente
Já não houve quem vendia
O teu sangue nos mercados?
Não é de hoje que a tua vida
Vem pagando os meus pecados!
 
Cordeirinho inocente
Homem sem mácula e sem vício,
Se eu não fosse tão descrente
Agradeceria teu sacrifício.
Mas quem defende tais postulados
São os mesmos que te vendem
Nas praças dos mercados.
 
Cordeirinho inocente
Ao ver teu corpo exangue
Como crer nessa gente
Que tira lucro do teu sangue?
Não fizeram de ti mero agente
Somente para vender serviço
A um povo pobre e tão carente?
 
Cordeirinho inocente
Ao te ver assim tão mutilado
Penso na dor que ora sentes
Por estar desse jeito sendo usado.
Se falasses tu dirias certamente:
− Hei! Vamos acabar com essa farsa:
Já cansei de ser a teta dessa gente.
 
 João Anatalino
 
Nota: William Blake (1757-1827) é elencado pelos críticos como um dos maiores poetas ingleses de todos os tempos. Pensador dos mais originais, foi um dos primeiros intelectuais a colocar em forma de poesia o pensamento inconformista da sua época, que se recusava a ler a aventura humana pelos óculos fundamentalistas da religião estabelecida. Respeitado artista plástico, sua poesia revolucionária provocou a ira do clero conservador e atraiu a admiração dos intelectuais que procuravam uma nova forma de interpretar a realidade divina e integrá-la com as visões proféticas dos místicos da antiguidade e dos filósofos do Iluminismo. Sua influência foi reconhecida pelos mais importantes nomes da poesia contemporânea, tais como W. B. Yeats, Ezra Pound, TS Eliot, James Joyce, Edgar Alan Poe e principalmente os surrealistas e os simbolistas , como André Breton e Arthur Rimbaud. Sua obra continua atual e constitui influência para muitos intelectuais modernos. Teve também  tem muita importância na obra de intelectuais modernos como Peter Kerouack, Allen Ginsberg, Bob Dylan e todos os inspiradores da contra cultura dos anos sessenta e setenta, conhecida como movimento hippie. Por tudo isso vale a pena conhecer William Blake, não só pela sua poesia iconoclasta e incendiária, mas principalmente pela profunda espiritualidade que ele coloca em seus versos.    
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/08/2012
Reeditado em 25/09/2012
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