«Às vezes ouço passar o vento e só de ouvir
o vento passar, vale a pena ter nascido!»
(Fernando Pessoa)
E A NOITE SE FAZ DIA…
Às vezes sinto em mim
As longas mãos da noite...
São mãos silenciosas,
Acariciam meus cabelos,
Tocam levemente meu rosto,
Pedem-me um poema,
Versos ainda por nascer...
Às vezes sinto em mim
Uma vontade eterna
De ser só poesia
E fundir-me no abraço
Da noite imensa, infinita...
Às vezes sinto viver em mim
Uma indizível dualidade:
Sinto, a um mesmo tempo,
Um tudo que é nada...
Sinto que sou deserto e oásis.
Cometa e estrela.
Concha quebrada e areia dourada.
Naufrágio e caravela.
Cinza e fogo.
Tempestade e manhã de sol.
Eco e laço.
Ruído e silêncio.
Grito e sussurro.
Indiferença e beijo de ternura.
Muro e ponte.
Porta fechada e janela aberta.
Tristeza e alegria.
Abismo e jardim perfumado.
Partida e chegada.
Desespero e esperança.
Noite e dia.
Vinho e água.
Algema e liberdade.
Mentira e verdade.
Demônio e divindade.
Escuro atalho e rua iluminada.
Loucura e razão.
Um tudo que é nada...
Às vezes, como agora,
Enrolo-me dentro de mim
E abraço
Meu silêncio interior.
Seguro as palavras
Que teimam em sair
Fazendo barulho por aí,
E guardo-as
Na gaveta mais próxima.
Fecho os olhos
E sinto-me branca e leve espuma
Cavalgando na garupa
Das ondas azuis...
É então que ouço
A voz do vento...
Sinto-o tocar minh´alma,
E, em mim, seu silêncio
Se faz poesia...
E eis que a noite
Se faz dia,
Toma forma
O nada que antes sentia,
E passa a ser tudo,
Ganha cor e vida...
(Para o belíssimo poema «Não sei mais ser Flor» da iluminada poetisa Almma)
Ana Flor do Lácio