SEM RIMA 170.- ... carne e ossos ...

"Depois de tantos exemplos, consideramos suficientemente ilustrada a articulação por Unamuno, nas suas meditações paisagistas e nos seus ensaios sobre o destino peninsular, de duas grandes sequências ou cadeias conceituais, organizadas cada uma sob um elemento do binarismo carne y hueso, e localizadas em uma região determinada da Península Ibérica. Para resumir, as duas são:

"Osso // Essência / Secura / Dureza / Rigidez / Sobriedade / Severidade // Castela

"Carne // Substância / Umidade / Suavidade / Flexibilidade / Expansão / Brandura // Portugal

"Cabe finalmente explicar, de forma mínima, como opera esse vocabulário corporal como função do entendimento unamuniano da Península Ibérica como entidade dialética, espaço cuja unidade superior depende da confrontação das suas divisões internas e da superação dessas." (in "Portugal na visão unamuniana da Ibéria como unidade dialética", de Robert Patrick Newcomb, publicado em"Estudos avançados" 24 (69), 2010, p. 71)

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Vocabulário corporal? Eu ousaria ("ossaria"

unamunianamente) afirmar que só, apenas

é léxico humanizante - desumanizante...

"Osso" vale por vertebração; portanto,

"carne", além da desestruturação implicada,

acarreta "desorganização", "desordem"

e mesmo "perturbação" e "transtorno"...

Que pode haver mais perturbador

do que carne (feminina ou masculina),

mas, se bela e subtil, pecaminosa

'a radice'? Não acabam os homens

(varões mormente, mas também

mulheres) com transtornos condutuais

perante carne bem disposta e amimante?

Quem pode namorar um esqueleto

(literalmente) ou "esqueleta"?

Contudo, Unamuno, como bem salientam estudiosos,

coloca o ser (e não só a espinha dorsal) da Espanha

nos ossos, que, aliás, ele confunde com virilidade...

Daí, acho, o seu afã por identificar "feminino"

e "português" (amigas e amigos de Portugal,

e por extensão todos os lusófonos, filhos lídimos

da Galiza extensa, convido-vos a entender

bem a visão unamuniana, afinal a espanhola:)

ou "feminino" e inexorável "sina de ser dominado":

Na nossa cultura "ocidental", mas procedente

do cruzamento de orientalidades, grega e judia,

a carne tem de ser dominada, como a mulher,

por delas todo o pecado ter nascido, por elas

(carne e mulher) terem introduzido o pecado

neste mundo de pecado...

É a visão do Unamuno

sobre a "dialética" hispânica, como se a Hispânia

ficasse reduzida aos estados "España" (viril)

e "Portugal" (feminino)...

Visão extravagante.

Contudo, lembro-o, é visão que arreiga na visão

genérica, aludida 'supra', acaso redutível

a duplo lema: "Morte à carne e à mulher!",

"Vida à morte e à virilidade divinizada!"...

(Mas acontece que o mais viril dos varões

mal resiste os carinhos da mulher e o abraço

constritor da carne meiga, branda, dengosa...)