ILUSTRE DESCONHECIDO
ILUSTRE DESCONHECIDO
sou fera na fauna das noites vazias;
o suplício do bêbado que se arrasta no meio dos espinhos
e no seu torpor pensa que a dor não faz parte de si,
como aqueles que entregam o corpo ao fogo
na doce fé da conservação da alma...
sou sacrifício, a coragem dos que se colocaram
nas bandejas dos nefandos festins,
servidos às feras nas arenas cheirando carniça...
sou a força daquele que, mesmo com mãos rubras
não teme colher a amarga rosa sangrenta...
a dor e o gozo se completam como dia e noite...
sou eu que dou coragem ao covarde
para a si mesmo vencer.
cedi fraqueza ao bravo
que ao brandir sua foice
colha as uvas sem destruir o frescor do vinhedo...
eu sou inocente se nu me encontrares,
puro serei se me decompuseres
e em análise, descobrires meus elementos...
ao pobre fiz herdar a riqueza dos deuses
ao rico dei o abraço da humildade,
a prole e os peitos vazios...
queiram entrar. Sou um campo aberto
repleto de fertilidade e viço
onde semeando colhas a verdura,
doces frutas, mel silvestre, pão-de-mel...
degustadas, ingeridas, talvez se tornem
amargas na boca, doces ao ventre...
esforçai-vos por entrar através de mim
entrai pela porta, pessoas que desejarem;
forçai se a entrada estiver travada,
mas, desviai-vos das sementes do mal,
pois seus frutos trazem confusão...
meu campo branqueou pelo pastar das ovelhas;
passai entre elas sem despertardes o silêncio
que ainda dorme entre suas palavras modestas...
plantem, reguem com lágrimas,
antes que o deus sol creste-lhe os brotos
e nem lembres mais do cheiro deles;
e o céu azul, pontilhado de pérolas
beberá na taça do espírito o néctar da entrega
entre o gozo e a dor que se fundem,
o bem e o mal, frutos do mesmo cacho
a moeda de uma medalha; reverso e anverso...
tornar-me brinquedo não será tolerado:
serei violento e bárbaro guerreiro
entre o clarão do dia de teus caminhos;
e dentre a noite indispertável
sou o anjo da espada e da morte...
mas, se vires o arco celeste na face angélica
e os róseos traços da tarde que alegram em cores e sons
no multiforme perfume das primaveras,
despertareis para mim e eu dentro de vós,
pois eu sou o incriado, sou o AMOR...
mas, se desejais me desfrutar avidamente
apenas na sedução de vossas almas, peles e fluídos
sereis reduzidos a palha e voareis,
depois de afogados e moídos na tormenta que sou,
e do meu dorso vos arremessarei contra os farelhões
com o ardil dos violentos,
morrereis na praia, nas areias solitárias...
este é um tempo de névoa que encortina os olhos
onde não enxergamos a luz da aurora celestial
nem lembramos a cor de nossas almas...
entretanto, se me possuíres, pois estarás maduro,
te desprenderás de ti mesmo
te aninharás em meus braços de expressões inocentes
e eu tocarei a nota musical da paz
e sentirás a fragrância do bem
e te mostrarei o caminho para a mansão da vida,
quando as estrelas gêmeas
dormindo fecharem os olhos da alva...