A VISITADORA

A morte me visita

em todos os meus dias.

Deixa-se estar pairando

nas sombras, e eu a abandono

em espreita, para lhe medir

melhor os passos.

Sinto minh´ora chegada

nesta sezão de maleita.

Como que a morte

como ninfa apaixonada

insistente e mordaz na arte

vem manhãzinha, como pomba

e à noite, corvo

crocitando a minha sorte.

Acompanha-me servil

por toda parte.

Faço que não a vejo.

Também, não lhe digo o nome.

E ela, mundana do centro

da cidade, passa

bem rente à mim

e sussurra-me ao ouvido

à propor-me um bailado insone.

Às vezes, lentamente

outras vezes, nem tanto

toma-me pela mão

e com todo o espanto

deixo que me conduza

na dança leve

da desintegração.

Na hora certa, se irão as idéias

concatenadas, as poesias declamadas

ir-se-ão os afetos esculpidos

também, as terrenas coisas

e as fantasmagorias celestes.

Não mais belezas para

revisitar, e, também não mais

graças para alcançar

por intersecção de Maria.

Tudo se esvai no vento

as importâncias

e o desinteresse

tudo se esvai como

pelo ralo da pia.

Deixo-me flertar

com a dama dos sepulcros

que chega numa noite fria

com a maciez de nuvem

de sua tez tão alva.

Seduz-me a mórbida presença

e a letargia que, brilha

em noites brancas

e solitárias.

E uma morte apenas não basta

como também, não basta um só amor.

Quantas mortes pela vida?

Quantos os amores circundantes

zumbis, permanências insepultas?

Dos lábios doces da morte

quero a prova dos tremores frios

fremidos nas profundezas da profanação.

Quero, por fim, o eterno gozo

que vem com o prazer do ultimo

suspiro, fundo, lento ou breve

mas parteiro da renovação.

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 26/01/2007
Reeditado em 29/01/2007
Código do texto: T359741