DÚVIDAS NO PRECIPÍCIO
De que adianta querer ser perfeito
E se enquadrar em cada padrão repetido
E escancarar qualidades, escondendo o defeito
De não sermos quem nós temos sido ?
De que adianta fingir ser contente
E sorrir quando no fundo se chora
Quando lateja a dor de um ego doente
Com a aparência sã que não vai embora ?
De que adianta ter sempre mais e bastante
E ser vazio e se confundir com o lixo
Em meio ao caos do luxo triunfante
Como animal que não encontra seu nicho ?
De que adianta supervalorizar a carne e o osso
Se, no fim, o corpo altivo sempre apodrece
Naufragando a alma em seu passado insosso
Enquanto o espírito pede, no futuro, uma prece ?
De que adianta consumir tudo e todos
E ser consumido pelo vácuo mental
Enquanto a preguiça varre idéias com rodos
Enquanto o bem fica brigando com o mal ?
De que adianta reclamar de tudo e de todos
Sem concretizar qualquer sã mudança
Neste mundo cheio de poeira e de lodos
Neste mundo adulto que nem foi criança ?
De que adianta, enfim, fingir-se de cego
Para apenas não ver a estupidez intrínseca ao mundo
E pelo simples prazer de afirmar o que eu nego
Na crucial superfície do precipício profundo ?
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