Última palavra do crucificado - Mein Tod*

Sou póstumo, acabado e dissonante,

Porque tudo aquilo que digo não pertence

Aos homens que estão aqui presentes.

Somente eu inventarei a flor oculta, extravagante,

Que todos massacram em seus próprios peitos,

Aquela que tenta transformar minha luz em espanto.

Mas mesmo ante a descrença, eu estarei lá.

Não acima nem abaixo, não ao lado nem distante.

Como um dos pregos que retirado de minha mão esquerda,

Tratou de perfurar seu pensamento á noite.

O pensamento que se dá nas horas frias,

Quando olha em volta e vê um amontoado de realidades,

Tantas formas concretas e outras tantas verdades,

Mas que mesmo pleno de tudo que é necessário,

Ainda assim sabe que nada importa, tudo é triste, é amargo.

E eu voltarei no futuro, não para contar histórias.

Inverterei a natureza das coisas,

Serei o duplo, o esquerdo,

O perseguidor e o carrasco.

Porque tudo o que digo está ligado e amalgamado,

Como uma armadilha para seu entendimento falho.

Estou rindo? Estou criando? Estou apático?

Já estou quase morto, e quem percebe,

É a lança que me rasgará o peito.

Sou apenas, o passado.

E se meu pai se foi, desse mundo desequilibrado,

Eis o filho, o poeta inocente, equivocado,

Que se entrega à frieza de todos os soldados.

E de agora em diante, reina o espírito imaculado.

Não é noite, mas em breve tudo aqui será esquecimento.

Não é dia, mas em breve tudo aqui será desconhecimento.

Não é vida, mas em breve tudo aqui será teatro.

Não venho por meio de palavras ou desastres,

Venho por meio de assassinatos e fatos.

Falo e canto com uma voz que não é minha.

Foi roubada de cada corpo humilhado,

De cada amor um dia mutilado.

E você não pode olhar em meus olhos,

Porque sou a natureza de todos os espelhos,

Que abre chagas e quebra a poesia,

Escande a sintaxe, escurece o dia.

E não havendo um vale tão profundo, ou monte tão alto,

Não pode se esconder, pois com fogo, em sua alma,

Estou gravado.

Ouço o tilintar desesperado das moedas caídas,

Do som obscuro do pescoço que se quebra,

E a invenção do desespero se deu na terra,

Quando por todos, eu fui apenas julgado.

Eu corto, eu machuco, eu quebro, eu mato,

Porque o peito agora é apenas ocupado

Pelos vermes inventados pelo remorso guardado.

Eis o império do som. A explicação para meu fracasso.

Náusea, é o que me torna mais humano.

Último sentimento antes do amor sacrificado,

Sangrando em vão por um exército desalmado.

E verei no futuro, quando voltar pelos cantos escuros,

As muitas mães, muitas mulheres já vencidas,

Recobertas pelo tecido da vergonha divina,

Que nem nas mais dolorosas orações,

Conseguiram desarmar o seu peito fechado.

E as luzes da cidade se acenderão,

Depois morrerão, se tornarão recurvadas,

Como uma dobra no espaço mais profundo.

Este é o lugar certo, esquecível. O mundo.

Deixe-me por agora, mas não para todo o sempre.

Esses são os restos humanos, os resto do que passou.

E eu vi meus irmão armados, me chamando no horizonte,

Abaixo de tudo o que é natural, abaixo de tudo o que sou.

Eis o meu dia da ira, o dia em que o inferno se torna

O chão batido onde nenhuma alma habita.

Essa é a verdade. Sou o fio alaranjado,

Que à noite visita sua mente e fala

Em seu sono enquanto dorme,

De minha morte, até esse momento,

Em um céu aritmético, arquitetado

Todo contra seu medo de ser meu filho,

o objeto onde repouso minha calma.

Olho para cima, para a ilusão do inventor adormecido.

Olho para baixo, onde perecem os filhos do pecado.

Reina a escuridão, apaga-se a luz do palco,

Calam-se as vozes, retiram-se os soldados,

E daqui em diante,

Nada mais poderá ser observado.

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*Dedicado à grande escritora Tânia Meneses, por inúmeras razões, mas principalmente, por me inspirar.