ARQUITETURA DA ALMA

Paredes frias e brancas de uma vida incompleta

Em salas tão vazias de silêncio e de som

Possivelmente, nos quartos alguma porta está aberta

A todo sentimento tão mau quanto bom.

Nas mesas, banquetes de dilemas e sonhos

E migalhas que restam das farturas da vida

Entre a mesa e a estante há resquícios tristonhos

E em cada gaveta do armário, uma emoção escondida.

Tapetes esquálidos denunciam as pegadas do ego

Como espelhos convexos de foco feliz

Que refletem, perplexos, o amor visionário e cego

Mas nunca emudecem o que sempre se diz.

Cozinha preparando idéias quentes ou frias

No fogão da mente cujo sonho é o gás

Com a penitência das noites e as rezas dos dias

Que oscilam, vorazes, entre a guerra e a paz.

A sala de estar não está nem estaria

Livre das lâmpadas e da art nouveau

Que querem iluminar cada sol com o dia

E, assim, fazem da lua a sombra do amor .

O quarto dos hóspedes recebeu a esperança

Freqüentadora assídua de cada casa sem teto

Companheira nômade de toda vã lembrança

Que traça linhas senoidais em perímetro reto.

Se houver infiltrações nítidas nos alicerces da alma

Ou rachaduras extremas em cada parede concreta

É melhor reformar com a textura que acalma

O mais recôndito âmago dessa casa entreaberta.

Se houver ainda muita sujeira pelos poros do chão

Ou até mesmo erros de cálculo na planta das casas

Talvez seja melhor desinfetar com ardor o coração

Para elevar sensivelmente a alma em suas céleres asas.

Todo lar, enfim, requer cuidado, constância, solução

Para o incômodo mudo dos sentimentos móveis ou maus

Que sempre escondem de onde vieram e quem são

Enquanto a alma veleja em oceanos sem naus.