A SOMBRA QUE ME ACOMPANHA (de "Vozes do Aquém")

Duros tempos em que tenho uma sombra

grudada na aura,

conturbando a conjunção do espectro.

Entendo como afronta,

e interpelo meu Guardador:

como mandar de volta pro diabo

este seu filho inglório?

Porém, nem ele quer tal bastardo

e tenho que conviver, pelo menos por enquanto,

com as estripulias que ela provoca,

incluindo aí os arrepios

e sopapos do pé

tentando voltar a ser

só um suporte

e não um bastão.

Cansa muito lutar contra a percepção,

a mente cede e pede de volta

um lugar tranquilo para ficar.

Nem sempre o sono repara,

pode fazer com que as ligas se rompam,

dentro das veias da cabeça,

explodindo, enfim, como uma bolha inútil.

A câimbra força o dedo

a tentar tocar o ser sinistro,

o que provoca choque

e remelexos de energia vazia.

A luz ainda tarda,

mas, não é só ela que elimina

os seres do Mal.

Basta o negrume.

Esterco celestial,

capaz de moldar o inferno,

arrancando a flor

da lama do brejo,

jorrando o perfume

com tanta força,

que os corvos embriagados

acabam por entupir

a latrina diabólica.

Embora aterrorizado

repito cuidadosamente o procedimento.

Sei que é a única maneira de lavar

minha alma

e reconstituir assim

as cores que tanto amo

no arco-íris.