EPIFANIA & MAIS
EPIFANIA
A doçura do olhar dessa criança,
os lábios que prometem ser ditosos,
os traços indecisos, mas formosos,
até o ponto que a percepção alcança...
O largo investimento de esperança,
depositado pela raça; os poderosos
fatores de atração, os ardilosos
olhares e risinhos, como lança
que nos transpassa a alma... Que poder
têm os pequenos seres indefesos,
de quem depende nossa continuação!
Como a gente se dispõe até a morrer,
para que permaneçam em tudo ilesos,
nessas fileiras da nova geração!...
VINDIMA
Insetos negros percorrem as calçadas,
mas besouros vermelhos me percorrem:
preenchem minhas veias, depois morrem
e as artérias explodem, estufadas;
pois cada vez que as gotas encarnadas
destes meus dedos esticados correm.
são insetos escarlates que me escorrem
e se misturam às carcassas esmagadas
de antigos medos: se esmago tais besouros,
as gotas de meu sangue são fonemas,
por fés indiferentes transportados,
quais sementeiras de novéis tesouros,
tal é o destino de tantos meus poemas:
vão terminar somente pisoteados...
ATREVIMENTO
Já houve uma ocasião, pensei um dia,
ao ver teu rosto, numa noite antiga,
que poderia tornar-te mais que amiga,
na confusão que a mente me afligia...
Pensei, nessa ocasião, em minha folia:
"Talvez um beijo só dela consiga,
uma lembrança apenas, que me diga,
como um abraço mais doce sentiria..."
Mas a porta se fechou, correu-se a tranca
e nem o ósculo mais leve recebi,
para lembrança em dias de infortúnio.
Também tranquei meu coração com alavanca,
para que nunca soubesse o que senti,
emoldurado ao clarão do plenilúnio.
VORAGEM XIII
O fato é certo que quem mais a busca
menos consegue encontrar a paz;
não é a interrogação que o bem nos traz:
a vida é vaga e nosso olhar ofusca.
Neste propósito da logosofia
é que se encontra a corroboração;
os que dela usufruem, muitos são,
porque é ciência e não filosofia.
Muitos seres tal palavra receberam
e dela certamente aproveitaram,
adultos fossem, jovens ou crianças.
Seu testemunho também apresentaram,
medularmente se submeteram
à realidade maior que as esperanças.
VORAGEM XIV
Na verdade, intuíam vagamente,
segundo tantas manifestações,
antes de terem as comprovações
desse ponto de apoio permanente.
Dessa luz que esclarece plenamente,
que respondeu a suas inquietações:
ao alcançarem tais satisfações,
se perceberam completos, finalmente.
Observe-se a que ponto de importância
atingiu neles essa tal mensagem,
a revelar-se como fiel expoente
do estado geral de relevância,
alcançado integralmente na coragem
de abraçar seu ensino totalmente.
VORAGEM XV
O que falam sobre o espírito a ciência,
as filosofias e tantas religiões?
Desencontradas são as suas versões,
umas estóicas, outras de indolência.
Na humanidade, rara é a transcendência
que nos concedem as elocubrações
da mente humana, em suas ilusões,
sem concreto fundamento na existência.
Por mais que se aproximem da verdade,
apenas buscam uma conversão,
sem despertar a total convicção,
pois não exercem poder sobre a vontade,
por mais pena que tenha a divindade
da busca errante dessa compreensão.
VORAGEM XVI
Pois aos olhos de Deus, nada é mais grato
do que esse anelo puro da verdade,
sincera e límpida em sua pluralidade,
mas sem que a busca se transforme em fato.
Há muitos patamares no caminho:
primeiro, é necessário desterrar
os falsos dogmas, tudo examinar
e descartar o sonho mais mesquinho.
Para ascender até a realidade
é preciso denunciar as simulações
que nos ensinam a chamar de crenças.
Tudo aquilo que pretende, em falsidade
ser verdade suprema, aceitações
do que não passam de palavras densas...
VORAGEM XVII
Em primeiro lugar, tem lealdade
à tua própria consciência, sem mentiras.
Quando em tua mão atentamente as giras
as vagas crenças só rebrilham falsidade.
É o contato com o espírito, em verdade,
que informa a inteligência, de que tiras
a reflexão e a resposta, quando miras
cada palavra, com racionalidade.
É preciso julgar com inteiro acerto
cada detalhe de teu existir,
cada pequena hora e circunstância.
Deixa o espírito, pois, chegar mais perto
de tua vida material, a reluzir,
do julgamento a derradeira instância.
VORAGEM XVIII
Porque, inegavelmente, o ser humano
tem amor pela vida e quer viver;
a imensa maioria, sem saber
o que fará para vivê-la bem.
Passam-se os dias, os meses, passa o ano,
como um vácuo que falta preencher,
a existência inteira a se escorrer,
igual que o tempo que se perdeu também.
Porém, ao se viver a intensidade,
ao contatar o Pensamento Universal,
anima-se total nossa existência...
A vida assume o caráter da verdade,
desaparece o vazio, sem mais sinal,
preenchido pela força da consciência.
REGRAS DA VIDA XLVII
Por mais que isso venha a surpreendê-la,
você não é por sua vida responsável,
por mais que queira, por mais que pense vê-la
como algo entre seus dedos bem palpável.
Desse modo, você pode compreendê-la
tal como um filme meio impenetrável,
até o momento em que puder vivê-la
qual imprevisto, talvez considerável...
Porque a vida acontece, simplesmente:
Deus tem mais que fazer, que castigá-la,
não é sua culpa o quanto os outros pagam.
Não lhe pertence o mundo, certamente:
contemple a mágoa, portanto; ao aceitá-la,
perceberá como suas dúvidas se apagam.
AVE GATIA
Ave, gatinhos, cheios de graça,
Maritza é convosco.
Benditos sois vós
entre os móveis da cozinha,
maldito é o fruto de vosso ventre,
Cocô.
Santa Saphira, mãe de Arthur,
Rogai pelos machos da vizinhança,
agora e na hora de vosso cio.
Miau!
PUPILAS
"Até que tenhamos rostos", continuamos
como fantasmas de verde marchetado
de centelhas iridiadas, no irradiado
fulgor que de olhos cegos contemplamos.
Pois só nos vemos, se em espelhos penetramos,
que enquanto nos refletem, revelado
têm para nós o rosto fragmentado,
que tampouco era visto; e transmutamos
nossas máscaras mudas em voz doce,
nossos ouvidos surdos em harmonia
e até mesmo se nos abrem as narinas;
na boca faz-se um talho, qual se fosse,
na voz fantasmagórica, a elegia
de te mostrar o rosto que me ensinas.