O Ser e seus Cais
Vou me enlouquecer no bálsamo da Sanidade,
E envenenar-me nos elixires de toda Cura.
Vou me aprisionar no convés e no leme da Liberdade,
Indulgenciar-me ao vender minha alma para as igrejas da Usura.
Vou ilhar-me em navios distintos e opostos simultaneamente,
Mas sempre desembarco nos portos e nos cais do Nada;
Atirem ao rio as bruxas e os profetas que afirmam a vida não ser uma mortífera piada,
E se ambos se afogarem são humanos; se boiarem, queime-os na sarça ardente.
Vou parir a Justificação copulando com os pecados no Tribunal de Osíris;
Na balança do Fado, a pureza de meu coração esmaga o Universo;
Em cada descoberta, homicídio, guerras, palavras e átomos, em tudo eu vivo imerso,
E em tais tempestades, o Júbilo canta, uiva e dança nas tochas míopes de minha Íris.
Da flauta de Orfeu e do vinho verborrágico de Dionísio eu crio em fonogramas
Outros mundos adjacentes e galáxias sinfônicas onde não há leis e nem gravidade;
No âmago dos lábios da vida e da morte conseguirás beijar, repartir e doar tudo o que amas?
Nos acordes ásperos, fulgentes e fétidos de teu coração habitará a pulsação de alguma verdade?
Sintetizarei nas orlas dos vícios o Resumo de mim Infinito,
Narcotizando-me nas coisas que a mente subjetiva e objetiva coisificam;
Vou asfixiar em pleno meio-dia as rimas e os sinos de meu Grito,
Acordar-me-ei enfim de Tudo e Todos que ainda se personificam.
Jamais cessarão as dores do parto que se dispersam do Existir,
Minha alma se reconstrói ao despencar em todos os caminhos;
A Coroa da Beleza e do Conhecimento se oculta nos venenosos espinhos,
Sempre chego ao princípio de tudo quando o cais de meu Ser volta a partir.
Gilliard Alves Rodrigues
4h36min da Manhã