O DIA EM QUE PERDI UM PAI
Ave negra aterrou no sopé do telhado
Soltou um gorjeio crescido, sufocado
À tarde anil de Curitiba em que eu dormia...
Mãe morta, desperta no sonho, falou:
- Mano, hoje levo teu pai
Vou dar-lhe abrigo p’ra cá da vida –
Ah, mãe estava tão remoçada
Num longo vestido branco
E me sorria de coração partido
Eu a sentia - Ela que melhor sabia de mim...
O telefone tocou e me despertou
(Confirmou-se
O augúrio da ave)
Repetiu-se na realidade o enredo
Sonhado...
Eu, conformado, nem chorei
Sapiência dele estar
Nos braços ternos da minha mãe
Fiz as malas revivendo minha infância
E rumei sem pressa ao velório
Lá, fitei meu padrasto pálido
Com um calor de derreter gelo
Depois fui embora sem esboçar palavra
Não esperei pelo enterro...
Esse é meu jeito. Se fraco, talvez, admito:
Enterrar os meus mortos
Jamais. Não consigo.
(Hoje, lembrei-me o dia todo dele. E me pergunto e repergunto se não deveria ter visto o caixão baixar na terra. Não, não é remorso: É um insolúvel oco sem vazio...)