As Janelas Nostálgicas da Percepção...
A tarde está mais silenciosa
Que o albatroz que perdeu a sua voz...
Vejo-me refletido na água,
Lá no fundo do meu velho poço...
O meu rosto que vejo
Era de quando eu brincava
Com o brinquedo que está caído lá em baixo...
Boiando naquela misteriosa profundidade...
Quanto tempo se passou...
Ninguém mais passa em frente
Da velha cerca de madeira...
As árvores estão muito quietas...
Algumas respiram vagarosamente,
As maiores, estão bocejando...
Enquanto as mais crianças
Já estão dormindo com os arbustos...
O Céu quer escurecer, então...
Eu devo ir para dentro de casa...
Atravessar o corredor do assoalho amolecido...
Isso faz tremular a velha impressora dos livros...
Vou ficar na janela observando o velho balanço
Que o meu pai um dia fez...
Não sou eu quem observa o balanço...
Sou a janela que, sentada no balanço, olha para mim...
Ou quem sabe, o balanço que de dentro de mim
Projeta-se no vidro embaçado da janela
Onde agora apoio a minha cabeça...
Vejo o vendaval sacudindo as árvores...
Começa a chover neste fim de tarde esverdeado...
Em outra janela de ferrolhos de bronze,
Construída com os ponteiros adiantados, já está chovendo...
Assusto-me com as medonhas e antigas trovoadas,
Vendo por entre os pinheiros a última claridade do Sol...
A chuva vai aumentando, e vão se abrindo mais janelas...
Por uma pequena janela de imbúia
Atravessa um feixe de luz violácea...
Por outra que agora é uma veneziana
Vejo o quintal de antes de eu ter nascido...
Pelo corredor de onde nunca vi aceso o abajur vermelho,
Abrem-se janelas finas e curiosamente altas,
Por uma delas está passando um muro
De tijolos de madeira que ao serem raspados
Derrubam farelos de areia colorida...
Tinha medo do que poderia haver acima do alçapão,
Também desconfiava que lá em cima do forro
Eu fosse encontrar a única passagem
Pela qual eu poderia descer
Até a antiga construção da casa
Onde meu pai a estaria construindo
Sem imaginar que um dia ele fosse me inventar...
Com tanto espanto, vejo a minha cama se deitando
Sobre um amontoado de tapetes selvosos
E se cobrindo com a cortina empoeirada
Que acabou de arrancar da janela...
Enquanto eu prefiro ficar sozinho
Colecionando válvulas do inconsciente,
Plantando mudas de lagoas vulpinas,
Meus colegas estão todos numa festa
E eu aqui explorando o porão da minha casa...
Mas quando eu voltar a ser mais velho
Irei lembrar-me de que as melhores festas
Eu as faço dentro de mim mesmo...
Aqui dentro do porão nasceram três janelas...
A grande janela de aumento
Agora já se encontra mais ampla
Que a minha paisagem de minutos atrás...
Assim, a totalidade múltipla do horizonte
Resume-se em apenas uma única e imensa célula
Sob os redemoinhos azuis da minha visão...
Sempre entendi e hoje entendo melhor
A razão dos intermináveis tubos
Que contornam a montanha dos relógios
Dessas curiosas e lindas pinturas
Que pressagiam a implosão da realidade...
O que até hoje eu não entendi
Foi como todos aqueles pianos apareceram lá...
No bosque da minha utopia...
Sendo que os lagos mais sombrios
Nunca passaram a noite com os olhos evasados...
E nenhuma porta se arriscou
A passar por debaixo daquele que,
Em sua geniosa autonomia,
Se abria e se fechava sem admitir que alguém,
Por insegurança do ego e fobia noturna,
Introduzisse-lhe no peito uma chave...
Velho Haisom... Meu nostálgico amigo
Com qual eu costumava sempre
Fabular sobre os Cedros e os Ciprestes...
Lembrar-me do que me foi ensinado
Pelos magos que se revelaram
Na imagem que se criou com esplendor
E depois se evaporou em minha consciência
É como eu procurar em meus bolsos
O livro raríssimo que eu roubei
Na biblioteca sagrada do meu último sonho...
Pois o pobre peixinho mágico
Poderia ter realizado todos os meus desejos
Se eu fosse morar junto com ele no fundo do Mar,
Ao invés de ter subtraído a sua alegria
Nos limites de um aquário
Onde jamais poderei mergulhar...
Um pouco disso eu disse a ti no escuro,
Dormindo, com um estranho olhar,
Parado, sob movimentos que não existem,
Na porta do teu quarto...
Todo o escuro a você eu disse,
Ao olhar de um dormir estranho,
Existindo em movimentos parados,
Na tua porta sem quarto...
Foi então, quando com a tua repreensão,
Que sem eu perceber acordei abismado...
Acreditando que você havia, em realidade,
O meu sonho transformado...
Lá eu havia descoberto com alguns sábios
Uma forma de revolucionar o mundo,
Eles construíram uma nova janela em minha percepção...
O idioma em que lá falávamos era outro,
Mas lá eu o compreendia com total perfeição...
Abrigado sob o núcleo do exterior da janela eu absorvia tudo...
Aquelas informações fariam de mim um gênio...
Mas foi como se o ar da consciência
Invadisse a cúpula do meu devaneio
Desfazendo a inexistência que conservava os segredos
Acesos em nobre e real incandescência...
Era o vácuo da inconsciência
Que matinha vivos os filamentos
Da minha quase conquistada verdade...
Meu Deus...
Em qual língua eu falava?
O assunto era de reveladora importância...
Mas... Em qual janela eu estava?
Lá dentro, com o futuro, presenteava o passado...
E... De qual amado amigo eu lembrava?
Preciosidade para qual já não tenho palavras...
Giuliano Fratin (do livro No Limiar da (In) Consciência, 2008).