Dois Sonetos Abstratos
A noite arrasta o seu dossel azul
sobre o destino cruel e irrevogável
do homem, que dorme em seu leito cru,
disperso no infinito formidável.
É cisco, é átomo, é espírito nu,
um fragmento da Obra inumerável,
e o Universo rodopia no
seu vórtice supremo e imponderável.
O homem de si e de tudo se esquece,
enquanto vibra o Universo em expansão.
Seu corpo dorme e ele se entorpece,
mas a sua alma sente a vibração
e capta, num raio que estremece,
a verdade da própria criação.
Sigo o meu rumo, calado e sozinho,
mas em meu ser há sempre outro que abrigo.
Sou ave migratória além do ninho,
é a mim mesmo que, incansável, persigo.
Cada um busca o seu próprio caminho,
toda alma é um miserável mendigo
que oscila no olho do remoinho,
em busca de luz e de um ombro amigo.
Ao longe ecoa a pergunta inflamada,
que circula no ar e além desmaia,
sem que a resposta seja revelada.
E o ser renova a dúvida na praia
cujas ondas lambem a antiga pegada
do homem no vazio, até que caia.