VORAGEM
VORAGEM
[MAELSTROM] Ciclo de poemas
sobre texto original de González Pecotche – Raumsol
WILLIAM LAGOS, 2008
VORAGEM I
É normal se inquiete o homem pelo além,
por qual seja seu destino após o físico:
se algo existe, de fato, metafísico,
ou outros enigmas a decifrar também...
A inteligência se reduz, porém,
nessa contemplação do ultra-físico,
ao espectro da morte, no seu tísico
esqueleto, que nem mais os olhos tem...
Perder o corpo é destino irremediável
e causa da ansiedade mais constante:
de que forma escapar a tal voragem?
E intimamente cresce a insofismável
certeza de que o momento delirante
ser encarado pode apenas com coragem.
VORAGEM II
Quem, senão o espírito, promove
um tal desassossego e nos induz
a buscar o saber, ao ver a luz
que após o mais comum assim renove?
Pois se encontra mais além do que seduz,
na esfera do vulgar que o mundo move;
quem transcende a matéria que o envolve,
na metafísica busca que reluz...?
E nesse campo que povoa o pensamento
entidades incontáveis, aos milhões,
nos espelham mil imagens poderosas.
E somente no puro tratamento
com que se miram tais identificações
é que se captam as idéias mais valiosas.
VORAGEM III
De certo modo, se pode comparar
o ente físico a um televisor,
cuja antena captaria com vigor
as imagens que queremos enxergar.
Sem a antena, é difícil alcançar
a nitidez do mundo superior;
e o espírito se faz receptor
quanto maiores alturas escalar.
É lastimável se possa desligar,
por tanto tempo, esse fiel canal,
que nos permite acessar o metafísico,
pois enquanto não se torna a reinstalar
a ligação com o mundo espiritual,
continuaremos esmagados pelo físico.
VORAGEM IV
Quando se encontram as inquietações,
buscamos resolvê-las de imediato,
sem compreender o manifesto fato
de que implicam em emancipações
e que somente ao invocar razões
será integral, em todo o seu recato
nossa libertação de tal contato
com o concreto de tantas prisões.
Quando buscamos as satisfações
conseguimos tão somente adormecer
nossa vontade: e temporariamente,
quando, de fato, eram estimulações
que deveríamos buscar para crescer
em antigo anelo superação consciente.
VORAGEM V
E nessa busca há tantos desenganos:
de boa fé, tentamos encontrar
respostas vãs, que passam a ensinar
os que não têm nem para si respostas
e envolvem extravagâncias nesses planos
de vivo fanatismo a proclamar,
de ambições de lucro a disfarçar,
em metafísicas farsas descompostas.
E em tudo isso, nos falha a religião
e se esconde em suas fórmulas a ciência
e a filosofia se perde em labirinto,
pois tão somente nos vendem ilusão,
de modo tal que cegam a consciência
nessas mil falsidades que pressinto.
VORAGEM VI
Porque no fundo, ninguém sabe nada
do que o espírito humano é, de fato.
Tudo não passa de um sonhar beato
e a vida humana é assim desperdiçada.
Para que a emancipação seja encontrada
é preciso envolver, num só contato,
o mental e o moral e, de imediato,
o psíquico e o espiritual na mesma estrada.
Somente assim se livra da impotência
a nossa parte física; e em seriedade
se poderá inquirir a natureza,
na verdadeira e terminal ciência,
que nos transmite essa seguridade
e nos reveste da espiritual certeza.
VORAGEM VII
As numerosas interpretações,
soprada a filosófica trombeta,
tocada a lira da religião secreta,
não satisfazem as inquietações.
Nesse fluir das elocubrações,
a alma humana permanece inquieta,
o alvo nunca acerta qualquer seta
e falham, afinal, as conclusões...
Com exceção de uma: que são todas
retalhos tão somente de ilusão,
limitadores jogos de eloqüência...
E o indivíduo se rebela, nessas bodas
malditas... pela plena rejeição
dessa moral tingida de impotência.
VORAGEM VIII
Todavia, embora assim rejeite
a vacuidade da teoria humana,
permanece o indivíduo nessa insana,
vazia busca por resposta que se aceite.
Na escuridão, que o desacerto ajeite
uma pequena luz, de brilho arcano:
que a inteligência acenda, sem mais dano,
a lamparina de um vital deleite.
Por que razão ainda se procura,
depois de tudo ter visto e reprovado?
Por que motivo não é plena a desistência,
após zombar de tanta voz impura?
Há de haver uma razão do nosso lado
que mantenha ainda viva essa paciência.
VORAGEM IX
Pois eis aí: se o homem fosse barro,
apenas pó da terra, quereria
não mais do que o animal que em torno via,
que se come em churrasco ou puxa o carro.
Mas o constante anelo de expressar-se,
demonstra que nós somos muito mais:
que o ser humano não se reduz jamais
a uma fera querendo alimentar-se.
Nosso ser não é somente material:
existe algo que anima a nossa vida,
algo tão superior, que faz pensar.
Existe em nós também o espiritual,
que se intui e pressente e dá guarida:
que se conhece, sem poder tocar...
VORAGEM X
Na penumbra mental há um ente ignorado,
que articula cada um dos movimentos,
frustrando indagações e pensamentos:
o próprio espírito que nos tem acompanhado.
É esse que nos tem aconselhado,
que nos transmite assim conhecimentos
que não se calam em todos os momentos,
por mais que o material tenha gritado.
É por isso que nas suas decepções
o homem ainda busca transcender
do mundo as trevas, limites e ilusões.
A alma sabe que por trás de suas paixões,
existe algo de sólido a manter,
que permanece através das gerações.
VORAGEM XI
O homem busca atender essa inquietude
por suas próprias luzes e, entretanto,
se perde, embaraçado em puro espanto,
enquanto elas se apagam... e se ilude.
Por mais que essa intenção sua vida mude,
não consegue iluminar com riso ou pranto
a fímbria do horizonte, esse recanto
onde se encontra a razão que mais estude.
Sente que a vida passa sem resposta,
enquanto vê se afastar esse horizonte:
por mais que suba, seu âmbito é maior.
Ele apenas vislumbra a longa costa,
além do mar e acima de outro monte,
onde sabe que se esconde seu valor.
VORAGEM XII
O caminho só lhe põe a descoberto
a orientação que lhe dá a Logosofia,
alevantada a qualquer filosofia
que crie o homem em seu pensar incerto.
Até lá, caminhamos num deserto,
nessa prisão dos costumes sem valia,
sem atendermos à luz, que assim nos guia,
de passo a passo, no destino certo.
Somente após ver a carne superada
e esquecidas as conveniências imediatas
é que encontramos essa real ciência,
que nos há de mostrar escancarada
a porta para estradas mais sensatas,
no despertar interno da consciência.
VORAGEM XIII
O fato é certo que quem mais a busca
menos consegue encontrar a paz;
não é a interrogação que o bem nos traz:
a vida é vaga e nosso olhar ofusca.
Neste propósito da logosofia
é que se encontra a corroboração;
os que dela usufruem, muitos são,
porque é ciência e não filosofia.
Muitos seres tal palavra receberam
e dela certamente aproveitaram,
adultos fossem, jovens ou crianças.
Seu testemunho também apresentaram,
medularmente se submeteram
à realidade maior que as esperanças.
VORAGEM XIV
Na verdade, intuíam vagamente,
segundo tantas manifestações,
antes de terem as comprovações
desse ponto de apoio permanente.
Dessa luz que esclarece plenamente,
que respondeu a suas inquietações:
ao alcançarem tais satisfações,
se perceberam completos, finalmente.
Observe-se a que ponto de importância
atingiu neles essa tal mensagem,
a revelar-se como fiel expoente
do estado geral de relevância,
alcançado integralmente na coragem
de abraçar seu ensino totalmente.
VORAGEM XV
O que falam sobre o espírito a ciência,
as filosofias e tantas religiões?
Desencontradas são as suas versões,
umas estóicas, outras de indolência.
Na humanidade, rara é a transcendência
que nos concedem as elocubrações
da mente humana, em suas ilusões,
sem concreto fundamento na existência.
Por mais que se aproximem da verdade,
apenas buscam uma conversão,
sem despertar a total convicção,
pois não exercem poder sobre a vontade,
por mais pena que tenha a divindade
da busca errante dessa compreensão.
VORAGEM XVI
Pois aos olhos de Deus, nada é mais grato
do que esse anelo puro da verdade,
sincera e límpida em sua pluralidade,
mas sem que a busca se transforme em fato.
Há muitos patamares no caminho:
primeiro, é necessário desterrar
os falsos dogmas, tudo examinar
e descartar o sonho mais mesquinho.
Para ascender até a realidade
é preciso denunciar as simulações
que nos ensinam a chamar de crenças.
Tudo aquilo que pretende, em falsidade
ser verdade suprema, aceitações
do que não passam de palavras densas...
VORAGEM XVII
Em primeiro lugar, tem lealdade
à tua própria consciência, sem mentiras.
Quando em tua mão atentamente as giras
as vagas crenças só rebrilham falsidade.
É o contato com o espírito, em verdade,
que informa a inteligência, de que tiras
a reflexão e a resposta, quando miras
cada palavra, com racionalidade.
É preciso julgar com inteiro acerto
cada detalhe de teu existir,
cada pequena hora e circunstância.
Deixa o espírito, pois, chegar mais perto
de tua vida material, a reluzir,
do julgamento a derradeira instância.
VORAGEM XVIII
Porque, inegavelmente, o ser humano
tem amor pela vida e quer viver;
a imensa maioria, sem saber
o que fará para vivê-la bem.
Passam-se os dias, os meses, passa o ano,
como um vácuo que falta preencher,
a existência inteira a se escorrer,
igual que o tempo que se perdeu também.
Porém, ao se viver a intensidade,
ao contatar o Pensamento Universal,
anima-se total nossa existência...
A vida assume o caráter da verdade,
desaparece o vazio, sem mais sinal,
preenchido pela força da consciência.
VORAGEM XIX
Já antes referimos esse afã
da criatura humana por calar
do Espírito o insistente reclamar,
mesmo que sempre tal ação lhe seja vã.
Não que nos seja toda hora malsã:
há momentos de breve descansar,
ao ver breve resposta rebrotar,
ainda que seja de perfeita só meã.
Mas por tudo que temos observado
e como fruto próprio da experiência,
até sentimos um palpitar de calma
quando esse breve descanso desfrutado
preenche, por momentos de paciência,
esse vazio que nos habita n'alma.
VORAGEM XX
Desde pequena a humana criatura,
por curta seja sua observação,
desfruta mesmo assim satisfação
por afastar-se um momento da amargura,
ao ter resposta que transponha tal largura,
que provoca sua vaga inquietação,
que nos momentos de luz dessa razão
lhe traz de calma um instante de fartura.
Foi o momento que o vazio lhe preencheu.
Mas logo passa essa resposta breve
e se depara de novo com a inquietude.
Isso é normal; mas que mal lhe concedeu
o avançar da idade e nem a leve
sabedoria lhe abrandou a senectude!...
VORAGEM XXI
Aquilo que se faz prejudicial
é quando a idade nada canaliza,
seus desenganos nem sequer balisa,
mas só prossegue vítima do mal.
Porque faz parte da vida natural
pressentir o que falta, na concisa
limitação que tal ciência visa.
Quem não encontra pouso, nem sinal,
Por mais que tenha todos bens da vida,
não alcança jamais o ser feliz,
pois nem sequer do Bem teve noção.
É levado na inquietude de vencida
e no momento final, então se diz
que sempre teve vago o coração...
VORAGEM XXII
E quanto passo em falso evitaria
de dar na vida, se ao menos compreendesse
que toda inquietação assim se desse
por força mesma da luz que deveria
ter enxergado em um antigo dia:
a força de que a vida humana desce,
esse chamado que em sua alma cresce
e que muito melhor vida lhe daria.
É a própria força que sustenta a vida humana,
de cuja avaliação é encarregado
o próprio Espírito de que se vê dotado,
para que deixe toda a luta insana
e decida ocupar-se seriamente
desse chamado interno que pressente.
VORAGEM XXIII
O corpo não consegue, de iludido,
e a própria alma se prende na emoção;
somente o Espírito controla essa razão
e domina todo golpe desferido.
Esse chamado interno é proferido
pelo autor mesmo dessa premiação,
esse escultor da própria evolução,
quando o governo tenha recebido.
Talvez não veja logo a recompensa
aquele que só busca premiação,
ao invés da verdadeira gravidade
que nos atrai bem mais que qualquer crença,
nesse momento de total realização
que nos constrói para a racionalidade.
VORAGEM XXIV
Porque é preciso realizar essa alquimia,
nesse processo de evolução consciente,
em que o Espírito se transmuta lentamente
até gozar do pleno Bem que merecia.
Que o Espírito ascenda a penedia,
apoiado em sua busca permanente
pela única ciência competente,
desenvolvida na Logosofia.
Controla assim qualquer aspiração
e põe de lado o ensejo material,
por sua própria natureza transitório.
Corpo e alma, numa mesma criação,
guardada pelo dom espiritual,
único alvo na vida meritório.