NUMMUS POST VIRTUS
NUMMUS POST VIRTUS
[Primeiro a virtude, depois o lucro]
O que fazer de amor, se amor não faz
o quefazer de amor que eu quereria?
A vida eu observo, em nostalgia,
sem nem participar do bem que traz...
Apenas vejo os outros, na fugaz
exaltação de simples afazeres.
Como são pobres, enfim, os seus quereres,
enquanto meu querer é tão audaz!...
Porque os alvos comuns eu não persigo,
dinheiro ou fama, casos de amor perdido,
na vã satisfação de um gozo momentâneo...
O meu ideal é altivo e nele inda prossigo,
mesmo sem atingi-lo, talvez jamais colhido,
mas não me satisfaz um vago sucedâneo...
JARDIM DO ESPANTO XXIV - A ÍRIS
Meu padrinho que trouxe, do estado da Virgínia,
As mudas e rizomas da flor que mais me agrada:
São íris, lírios roxos, de perfeição sagrada;
E cada flor que brota, é como uma perínea,
Fértil de vida, que nova muda gera;
Mesmo deixada ao léu, abandonada assim,
Produz novos arbustos, preenche o meu jardim
E tantas flores roxas revestem-me de espera...
Porém, com meu amor, a coisa é diferente:
Não se gera a si mesmo, precisa ser regado
Por um gentil sorriso; então, se retirares
A oferta do carinho, irá, bem suavemente,
Se desfazendo em poeira, igual que o sol negado
Provoca lentamente a morte dessa íris...
CAÇA À RAPOSA
Quando a derrota o tempo consumia
E o tempo consumia o derrotado,
Derrota e tempo, comidos lado a lado,
Se revelavam no caos e na entropia.
Quando o fracasso a vida me abrangia
E a vida me abrangia o fracassado,
Fracasso e vida, jungidos no passado,
Dançavam de mãos dadas na embolia
Destinada a sentir morte e efeito,
Efeito a imbuir morte, que sentida,
Do efeito mataria o desusado
Fragor de injúria e pasmo sem proveito,
No pasmo a injúria, no pasmo a pressentida
Cálida prenda de um sol já congelado.
SEPTICEMIA
Enrolo minhas entranhas ao pescoço e, no frio,
se tornam para mim perfeito cachecol;
meu fígado transformei em boné durante o estio,
meus rins pus em meus olhos, quais farol.
Agora é que preciso de ti: esse vazio
de uma forma qualquer vou preencher;
eu quero teu amor por dentro e me angustio
do diafragma abaixo, cansado, por não ter.
Num alguidar de sonho, feroz, que me embolia,
esse meu pranto seco, ao negror do meio-dia,
essa medula sólida, de gravidez fluída.
Meu cóccix quebrado, em vértebra partida,
por esse amor estranho, amor de bactéria,
que me infecciona a alma, em bênção deletéria.
JOVENS DE ROMA XXVII
VOLÚMNIA
APENAS UM SORRISO E UM LEVE ACENO,
POIS NADA MAIS ME DEU, SENÃO O JÚBILO
DE RETORNAR A MEU IDEAL SERENO
DE TRANSFORMAR EM ARTE TODO O NÚBILO
ESPLENDOR GERADOR EM QUE JAZIA...
E COMO DESPERTOU!... NÃO MAIS CONSIGO
REPRESAR ESTE ARDOR, O QUAL, CONTIGO,
TERIA SIDO O GRANDE AMOR, QUE UM DIA
MAL CONCEBESTE DENTRO DE TEU PEITO,
O AMOR INEXAURÍVEL E PERFEITO:
MAS INCAPAZ TU FOSTE DE ENTENDÊ-LO...
TALVEZ PELA DESCRENÇA DO DIREITO
DE POSSUIR TAL AMOR, TÃO ESCORREITO,
COMO ME ESCORRE O SANGUE, SÓ DE TÊ-LO!...
TRENÓ
Nasci com o dom da espera dolorosa,
que uma fada bafejou-me sobre o berço;
pois todas se reuniram, rosa a rosa,
e me votaram, num glorioso terço,
dom após dom, talento após talento.
Porém é o dom de Sísifo que impera:
que eu tinha de aguardar, na amarga espera
o resultado de cada juramento...
Pois poderia ser tudo, e não sou nada.
Poderia ter tudo, sem que tenha...
Poderia ter tantas... mas sorrisos
são tudo o que recebo, que acirrada
somente é a esperança, sem que venha
mais que a algazarra, no farfalhar dos guizos.
ISÓSCELES
Queria não sentir qualquer inveja
E, ao mesmo tempo, evitar a desvalia
E ter certeza de mim, quanto sentia,
A cada vez que percebo que se enseja
A meu redor um arco de silêncio,
Que conspira por dois, mas não por mim:
Aquela teia azul, de árduo cetim,
Aquele arco voltaico sempre tensio-
nado, a proteger a flébil chama,
Que parece tão forte, enquanto queima,
Mas queima e se consome e logo esvai.
Queria fosse minha dita flama:
Embora não quisesse quem requeima,
Meu coração, ao vê-la, se contrai...
AS JOVENS DE ROMA XXVIII
CINCINNATA
EU CONTEMPLEI MIL FACES NO PASSADO
E AMEI A TODAS, NESSE ATRIBULADO
E CAPRICHOSO AMOR QUE AMA O POETA;
E A CADA UMA DEI, NO IDEAL DE ESTETA,
UMA DELGADA FATIA DE MINHA ALMA;
E ELAS SE FORAM, LEVARAM MEUS MOMENTOS,
MEU CORAÇÃO, MINHA MENTE, MEUS PORTENTOS,
COMERAM-ME AS PAIXÕES, SEM DAR-ME A CALMA.
E AO CONTEMPLAR ESSAS FACES PARDACENTAS,
JÁ MORTAS DO PASSADO, VIRULENTAS,
SINTO UM VAZIO IMENSO NO MEU PEITO.
CADA UMA DELAS ME ROUBOU UM POUCO:
TANTO LEVARAM, EM SEU BANQUETE LOUCO,
QUE NEM SEI SE ALGO RESTA A SER REFEITO...
AS JOVENS DE ROMA XXIX
CAELINA
O QUE ACONTECE COM ESTE DOM POÉTICO
É QUE AS PALAVRAS VOAM, SEM CONTROLE,
ESCORREM PELOS DEDOS, NESSE ESTÉTICO
FLUIR DOS VERSOS, ENQUANTO A AREIA ROLE
DE UM BOJO A OUTRO, COMO NA AMPULHETA...
COMO POSSO SABER, AO FIM DO VERSO,
O QUE DIREI?... QUAL ESPLENDOR DIVERSO,
OU QUAL O SENSABOR DE ANACORETA
QUE ESCREVEREI A TI, QUE TE DESCREVA?
É COMO UMA PAIXÃO, SEM ALVO CERTO:
EU ME ENTREGO NAS FAUCES DA EMOÇÃO
E ENTÃO, PRETENDO AMAR, SEM QUE ME ATREVA,
NESTE MEU VASTO CORAÇÃO DESERTO,
SEQUER SONHAR DE TI RETRIBUIÇÃO...
GESTAÇÃO
a clorofila transforma, lentamente,
a luz do sol em folhas e madeira,
em flores deslumbrantes, nessa esteira
de lianas e cipós; depois, potente,
transmuta a luz do sol em lenho e troncos,
em galhos; em arbustos; e em capim,
na selva poderosa e no jasmim,
e na savana, onde se escutam roncos
das feras que devoram os herbívoros,
que a grama comem, descansados,
e, a cada vez que consumimos lenha
para aquecer nossos festins onívoros,
são os sóis mortos dos verões passados:
tal é o calor que a clorofila emprenha!...
SEXOR
Por toda a minha vida fui romântico,
por mais estrênuo fosse o biológico
impulso apenas para o fisiológico.
Preferi sempre derramar meu cântico,
mais que meu sêmen, muito mais sensual
que esse esfregar-se, em genuflexório
corpo a corpo, tão só masturbatório
que passa hoje por sensação sexual...
Sempre esperei muito mais que os estertores
que ao orgasmo levam, na maior delícia:
mas uma mescla de alma e de emoção,
em que buscava apenas ter amores,
e não sexores de vã impudicícia,
que me deixassem vago o coração...
CRISTAIS EM SOLECISMO
Agostarei por ti até setembro;
outubrarei, talvez, porém não mais:
não buscarei teus olhos em novembro,
dezembrarei por teu favor jamais...
Porque já uma vez, te janeirei
praticamente em vão, que foste esquiva;
de novo retornaste --- feverei
e já marceei, na esperança de uma altiva,
abrilescida prova de carinho,
que se maiou, de afeto poderosa;
e mais ainda se junhou a rosa...
mas não julhei: meu lucro foi mesquinho.
e agora espero, em agosto, setembrar
para que outubro me permita novembrar...