CHRONOS I-XII

CHRONOS I

Nas paredes do tempo hoje me escondo,

com saudades do tempo mais concreto,

quando existia o tempo do secreto,

neste tempo das paredes que hoje sondo.

Naquele tempo, vivia o meu estrondo,

eu tinha o tempo embaixo de meu teto,

era um tempo de viver bem mais dileto

que este tempo que o tempo vem depondo.

Naquele tempo sentia o mundo inteiro,

no tempo jovem em que o tempo sobra,

como tempo de espera disponível.

Porém no tempo agora derradeiro,

me falta o tempo, que o trabalho cobra

e sei que o tempo não é mais inexaurível.

CHRONOS II

Mas não sou eu. O tempo é percebido

por cada um em diferente tempo.

É bem mais longo o longo contratempo,

é bem mais curto o tempo concedido

ao tempo do desejo mais querido.

Ai, que saudades do tempo e do retempo,

do tempo temporário de um atempo,

tempo de espera para meu olvido!...

Do tempo a falta escuto, que se queixam

que o tempo corre mais quando são velhos,

que corre o tempo em ritmo terrível...

Mas muito tempo que perderam, deixam;

foi tempo gasto diante dos espelhos:

por isso eu tenho mais tempo disponível...

CHRONOS III

Já percebi que o tempo favorece

quem mais emprega o tempo delirante.

Quem trata o tempo de forma diletante

depressa vê que o tempo desfalece.

Quem gasta o tempo de joelhos numa prece,

mal vê passar o tempo expectante.

Quem no trabalho se aplica, concentrante,

mais devagar se esgota o tempo e desce.

Quem perde tempo numa fila à espera,

nesse tempo de pagar os seus impostos,

perde seu tempo, bastante lentamente.

Mas quem o tempo emprega quando gera

algo de belo, o tempo dos desgostos

passa depressa, em tempo incandescente.

CHRONOS IV

O que é o tempo, ao dealbar do dia?

Uma quimera, dúvida, promessa...

Nunca se sabe qual destino dessa

nova alvorada que o novo tempo guia.

O tempo da alvorada, que surgia,

é incógnita, questão, a brecha expressa

para mil chaves de amor que se mereça,

para prováveis mágoas em orgia...

O tempo que nos chega dessa forma

se abre em leque e em muito breve espanto:

de nossa escolha... porém, por entre os dedos

se escoa bem depressa e sem reforma.

Se falharmos na escolha, é riso ou pranto

a marchetar as falhas dos segredos...

CHRONOS V

O que é o tempo que o crepúsculo anuncia?

Outra noite que chega e o tempo leva,

outra noite que o sono o tempo ceva,

enquanto o tempo se escorre, em alquimia.

Para muitos, é o tempo oposto ao dia:

o momento que o tempo nos releva,

o instante que o tempo não longeva,

essa hora em que o tempo mais valia...

Se o tempo empregado melhor fora

do que tempo perdido ao se dormir...

Se as aves e animais ocultos são,

existem outros que acordam nessa hora.

E o tempo não se deixa retrair

nem quando acalma o bater do coração.

CHRONOS VI

Qual é o tempo que meu ontem demarcou?

Será que um tempo houve, verdadeiro,

de cinquenta e duas semanas, corriqueiro.

delimitado em cada hora que soou?

O que o tempo em uma hora me afrontou?

E quanto dura o minuto derradeiro?

Quem cronometra o tempo que, primeiro,

surgiu no berço e para o fim voou?

Quem enche o tempo, sem ficar na espera

de seu tempo... essa hora mais secreta

determina no instante que incendeia.

Quem para o tempo assim se retempera

torna-se o vidro limite da ampulheta

e não o tempo que se esvai na areia.

CHRONOS VII

Remindo o tempo, porque os dias são maus,

eu determino o tempo que me envolve:

eu recupero o tempo que não volve

e transformo grãos de areia em mil calhaus.

O tempo assim resiste à ação do caos,

o tempo é meu que em sangue se dissolve:

o tempo da ampulheta se revolve,

mas não se escoa o tempo em leves naus.

Pois cada grão é barco de esperança

se o tempo vai à bordo, passageiro,

ao invés do tempo apenas tripulante.

Zarpam as naves no tempo da bonança,

cada momento se torna um tempo inteiro

em cada hora de um século distante.

CHRONOS VIII

Em cada tempo, o tempo do Universo

contém o tempo e o tempo se reflete.

Esse tempo em que o tempo se complete,

torna-se a tempo o tempo de meu verso.

E cada tempo, em tempo pluriverso,

é um tempo que no tempo se intromete.

Eu crio o tempo que no tempo se introjete,

eu forço o tempo de meu tempo inverso.

Dou tempo ao tempo durante minha espera,

do tempo o tempo lento se alimenta

e o tempo para o tempo se conduz...

O tempo o tempo agita, nesta esfera,

esse tempo com que o tempo se contenta,

em ser o tempo do tempo de minha luz.

CHRONOS IX

É o tempo de uma luz, tempo de estrela

ou o tempo desse tempo é luz de vela?

É o tempo da mulher, enquanto é bela

ou é o tempo em que nos move o coração?

O tempo é o tempo desse nosso então

ou o tempo é o tempo da longa duração,

tempo da Terra, desde a criação,

tempo do Sol, que seu destino sela...?

É o tempo o tempo em que tens desilusão

ou tempo é só o tempo atmosférico,

esse tempo caprichoso, o tempo etéreo?

Ou é o tempo, afinal, um tempo sério,

fora de nós, um tempo periférico,

indiferente ao tempo da paixão...?

CHRONOS X

Quer seja o tempo assim o tempo do calor,

tempo da chuva, o tempo do azul céu,

tempo de morte, tempo branco em véu,

tempo da infância ou tempo para a dor,

quer seja o tempo o tempo do vigor,

o tempo para a caça ou para o arpéu,

tempo de esforço ou de se andar ao léu,

da semeadura o tempo ou do temor,

que seja o tempo frio, tempo de geada,

o tempo envolto em meiga primavera,

tempo de estio, depois tempo de outono,

tempo de tudo, depois tempo de nada,

tempo de aborto ou tempo que nos gera,

tempo é de amor ou tempo de abandono.

CHRONOS XI

É o tempo da tanagra e da eclosão,

o tempo almiscarado, cor de mel,

o tempo em destempero, tom de fel,

alvoroçado tempo da emoção.

Em mim demora o tempo da ilusão,

esse tempo de néctar e ouropel,

esse tempo de cogula e de burel,

esse tempo de jogral sem compaixão.

Mas o tempo do voo já passou,

mesmo a corrida segue em tempo lento,

já é tempo de nadar em águas rasas...

Porque o tempo o novo tempo me mostrou:

esse tempo limitado no momento

da borboleta de quebradas asas...

CHRONOS XII

E finalmente, ao esgotar do tempo,

o tempo que nos deu o seu quinhão,

o tempo do estertor do seu condão,

na memória famélica do tempo,

quando a vereda chega ao fim do tempo,

nos ultrapassa do tempo a multidão:

ficamos para trás, no tempo vão,

ponteiros oscilando ao fio do tempo...

Que o tempo vem mostrar-nos a fatura

do tempo que gastamos entre beijos,

do tempo que empregamos na ilusão.

Mas o tempo da esperança ainda perdura:

tempo em que o corpo acalma seus desejos,

mas permanece inquieto o coração...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 08/04/2011
Código do texto: T2895790
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