Renascimento
Hoje pariste um antigo segredo,
Pariste a dúvida engolida outrora.
Confessaste teu mais atroz desejo
De esvair-te as infestadas entranhas,
De livrar-te de todo o mau porvir.
Desejaste guardar teus longos dias,
Tuas noites, madrugadas enfim
De penoso estorvo a roubar-te o sono,
A apagar-te o viço da pouca idade,
A impor-te ainda mais densa labuta
A teu não pouco sofrido viver.
Hoje ao ouvir-se a goteira lá fora,
Os últimos pingos na tarde escura,
Lembram-se as lágrimas a te escorrerem,
Pelo colo a soluçar a tristeza,
Pelas paredes da frágil morada.
Mas tuas empresas não prosperaram
E por fim aceitaste receber
De bom grado o fardo que mereceste.
Hoje, ao ouvir-te as infinitas preces,
Antes penitentes que rogadoras,
Percebo que o destino é indolente,
Não revolve entranhas, mas sentimentos.
A rejeição, talvez nunca se apague.
O embotamento dos primeiros dias,
A busca inútil do primeiro afeto,
A esperança do primeiro sorriso,
Tudo isso por certo se perdeu.
Hoje sou apenas perdão.