O INCRÍVEL ESPELHO DE LACAN

O INCRÍVEL ESPELHO DE LACAN

por Juliana S. Valis

Vislumbrei a imagem que havia no espelho

Em mil fragmentos de quem eu pensava ser,

Enquanto eu já me perguntava o porquê

De tanta dúvida refletida na vida...

E o espelho ria de como eu me via,

Lindamente feia (e feiamente linda),

Como se a imagem me dissesse, ainda,

Que só a miragem permanecia...

Mas será que aquela face que me olhava

Era, de fato, quem eu pensava ser ?

Pois quanto mais a imagem se amoldava

Às luzes mil do amanhecer,

Mais ainda eu questionava:

Será a essência degradée ?

E a consciência procurava achar

A projeção do que eu seria,

Como se o “eu” pudesse me encontrar

No reflexo que alguém me espelharia,

De modo côncavo ou convexo

E, supostamente, sem complexo,

Quando a mente estivesse mais vazia...

Mas minha imagem se perdeu no espelho,

E nessa miragem eu me perdia,

Pois só havia me restado indecisão

Entre o que eu, de fato, era

E o próprio modo que eu me via,

Como se tudo fosse uma quimera

Refletida nessa humana noite fria...

Enquanto, no coração, uma voz já me dizia:

Não se assuste, porque vou te entregar amanhã

Outro espelho menos complicado

Que esse longo espelho de Lacan !

E, por meu descuido, o espelho partiu-se,

Caindo lentamente pela escadaria,

Enquanto minha imagem se contorcia em cacos

De alguma alma que eu não conhecia...

E todo esse espelho era você,

Éramos nós, na correria,

Refletindo as infinitas formas de ser

A pessoa que “eu” me via.

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