J.C.

Depois de Daniel Oliveira de Azevedo

JC não quis você

Quando se anunciou

Como a sua única chance de vida.

Não quis você atrevida

Pulando com seu deus de sal,

Com todas suas deusas trazidas

Dentro do seu embornal,

Sob a luz da imensidão esquecida

Num plano de um outro astral.

JC não quis você

Fora do espaço sideral.

Tudo se emudeceu

Depois dos passos que você deu.

“Eu sou o teu Deus que te tirou do Egito...

Não terás outros deuses além de mim”.

E o teu Deus de marfim?

E aquele de bronze, o do grande agito?

Que corria fazendo barulho lá no fundo do quintal?

Onde estavam eles, afinal?

Será que foi o que JC quis dizer?

Ou será que alguém disse isso só pra ver

Se colava, e você se assustou?

JC se separou do Guevara?

Homem inflexível, radical,

Mas que, como tal,

Procurava saber onde estava

Pra poder cuidar do rebanho,

Tanger todas as suas ovelhas

De um modo que não fosse estranho,

Nem a ele, e muito menos a elas,

Que o seguiriam sempre

Em busca do que encontrar.

Na mesa daquele outro bar

JC não apareceu.

Não me diga que fui eu

Que não o reconheci.

Bem que eu estava ali e vi,

Quando me ajoelhei,

Nas cestinhas de palha a pecúnia.

E o vinho e o pão se confundem

Nas mãos do homem de vestes lilás,

Enquanto pra mim ele traz

As doces palavras do Cristo.

Como se ele dissesse que isto

É o que se deve dizer.

Depressa se deve esquecer

Daquilo que um dia passou,

Porque eu agora é que sou

A sua oportuna ameaça,

A sua completa presença,

Na sua conduta a graça,

De fato a sua loucura,

A sua insensata amargura,

Os seus momentos felizes...

E tudo o que tu me dizes,

Fui eu que te ensinei,

Ainda que tudo o que sei

Não passe na ponte caída

Sobre o riacho de fundo

Coberto de seixos rolados.

Tu que és tão desconfiado

Também podes gostar de mim.

Quem dera que eu fosse assim

Como tu sabes que sou,

Como alguém te ensinou

Que eu dizia a verdade,

Quando, na realidade,

Foi ela que te forjou.

E quem te abençoou?

Foi uma porta-bandeira?

Ou foi a aparadeira

Que nunca mais praticou?

Vi JC na esquina,

Sentado no meio-fio,

Olhando pro fim do desvio

Da linha do bonde vazia,

Tomando uma vitamina

Com um hot dog sem molho,

Um dedo no fundo do olho

E o ouvido no som da buzina.

Rio, 19/03/2006