Ode ao Devir Eterno da Burlesca Vida
Dos vales terrenos chega até nós
O anseio da vida: impulso desordenado,
Ébria exuberância,
Sangrento aroma de repastos fúnebres.
São espasmos de gozo, ambições sem termo,
Mãos de assassinos, de usurários, de santos,
O enxame humano fustigado pela angústia e o prazer.
Lança vapores asfixiantes e pútridos, crus e cálidos,
Respira beatitude e ânsia insopitada,
Devora-se a si mesmo para depois se vomitar.
Manobra a guerra e faz surgir às artes puras,
Adorna de ilusões a casa do pecado,
Arrasta-se, consome-se, prostitui-se todo
Nas alegrias de seu mundo infantil;
Ergue-se em ondas ao encalço de qualquer novidade
Para de novo tombar na lama.
Já nós vivemos
No gelo etéreo transluminado de estrelas;
Não conhecemos os dias nem as horas,
Não temos sexos nem idades.
Vossos pecados e angústias,
Vossos crimes e lascivos gozos,
É para nós um espetáculo como o girar dos sóis.
Cada dia é para nós o mais longo.
Debruçados tranqüilos sobre vossas vidas,
Contemplamos serenas as estrelas que giram,
Respiramos o inverno do mundo sideral;
Somos amigos do dragão celeste:
Fria e imutável é nossa eterna essência,
Frígido e astral o nosso eterno riso.
Vida: retira tua plúmbea máscara,
E nos desvela a sordidez quixotesca
De tuas portas transbordantes de ilusões!!!
(Hermann Hesse)