MINHA ALMA FRAGMENTADA

Minha alma é um rio de fogo sempiterno,

Minha alma é o santuário da Dor,

Minha alma é uma masmorra de crimes, medos, gritos, e vilezas;

Cada ser humano carrega em seu âmago inúmeros prisioneiros abstratos...

Minha alma é tão somente um eu cartesiano conscientizado inconscientemente,

Minha alma é o albergue de Deus,

Minha alma esconde em si um alçapão onde desovo todos os meus sonhos mutilados;

Minha alma hipnagógica imergida nas profundezas do misticismo hereditário.

Acordo suado de madrugada pelos pesadelos das crianças

Aos quais acariciavam os rostos de suas mães,

e choravam e gritavam entre as explosões de granadas e de fuzis.

Não sei mais se estou morto sonhando que ainda existo,

Ou se vivo sem ainda me dá conta que já morri há milênios.

Sangue, Ódio, Intolerância, Fanatismo, Ignorância, e Medo

São os alicerces de nossa Civilização.

Ó cactos de sentimentos que furam meu corpo,

Minha fábrica antiga de idéias humanitárias mobilizando-me a amar.

Maldita vala por onde escorre todos os dejetos e amarguras

Da cidade diretamente em meu coração.

Opiniões narcotizadas e industrializadas inundam tua consciência insciente;

Criando sempre novos totens, ídolos, motivos e propósitos

Para evitar pular no penhasco da Decomposição e do Esquecimento.

Mentindo constantemente para si mesmo a fim de continuar acreditando,

Só que ainda não queres admitir que a chama da fé

jaz morta há milênios em teu pensar.

[Ele desvendou no seu Getsêmane filosófico e heurístico,

A insondabilidade da Existência.

Retornando para o seu quarto edipiano,

Enforcou-se misteriosamente, sem comentar a ninguém sobre a nudez do Inaudito].

Vejo as mãos da Noite estrangularem o sol,

Os demônios circulam minha casa,

O vento uiva uma profecia apocalíptica,

Tochas nas mãos e olhos cheios de mentiras e ódio,

As vozes pousam em meus ombros,

Abrindo cavernas em minha mente;

Dê-me depressa uma arma,

Antes que invadam o meu reino onde a sábia loucura das almas

Dos grandes escritores caminham e orgiam dentro de mim,

Antes que tentem me acorrentar novamente dentro de mim próprio.

Rindo e zombando de sua própria intelectualidade e estupidez,

Dançando ao som da flauta delirante de Dionísio,

Enquanto o Além com sua voz sedutora o convida para repousar

No paraíso transcendental que ele afirma haver no fim do rio Estige,

Enquanto sigo cantando e celebrando o mito de meu próprio Ser.

O som do piano que minha alma toca dentro de mim

Faz-me pensar em todos aqueles que morreram;

E as árvores florescem novamente,

E olhos se abrem sem saber o porquê diante de uma nova manhã,

E tantas frases são ditas,

E bocas e lábios se acasalam,

E mãos tecem sonhos e planos,

Enquanto estrelas morrem em outra galáxia,

E alguém clama no leito de um hospital por uma cura a Deus,

E profecias sádicas e assassinas são proclamadas tão inconseqüentemente,

Enquanto um jovem em outro país se acha o ser mais sozinho e triste do mundo.

E minha alma grita por dentro por explicações sobre tudo,

Mas o silêncio do Universo e de Deus faz meus olhos lacrimejarem,

E um cão procura avidamente por comida na lixeira pública,

E o sorriso disforme do Absurdo em tudo isso assombra meu corpo.

Palavras sangrando corações com tanta violência,

o silêncio rompido pelos gritos de uma garota estuprada pelo próprio tio,

uma criança degolada e com uma bomba no intestino costurada,

e tantas perguntas e teorias rindo de nosso cérebro,

tudo vem colidir em minha alma tão sensível,

E eu caio de joelhos ao chão com o rosto entre mãos,

E choro porque minhas lágrimas não modificam o caos desse mundo.

Eu sou todas as alma humanas,

Logo posso destruir qualquer uma delas se eu quiser,

Pois tenho minha criatividade genética de criar quantas outras eu desejar.

Meu “eu” dilacerado em centenas de pedaços,

E cada “Eu” é uma parte totalmente distinta de mim,

Cada qual com possui suas próprias vontades, desejos, sonhos,

Personalidades, e idiossincrasias;

Sou uma miríade colossal de personalidades

que unificadas formam o Todo do meu Ser.

Enquanto um de meus tantos “eus” passa pela porta de minha consciência,

Dezenas de outros “eus” se espremem para sair dos corredores do meu inconsciente.

Sou um rio lúgubre despencando dos olhos das rochas,

Chamas gélidas implodindo metrópoles,

A humanidade se metamorfoseando em vacas hindus,

Eu canto enquanto meus pulsos sangram,

Todo deus tem por pai um demônio,

O cordeiro e o lobo imolados no altar mosaico,

E converto-me na caligrafia, na mensagem, na caneta,

E no papel utilizado por todos os suicidas biófagos.

Ó alma metafórica que sangra dentro de mim,

Diz-me, peço-te: _ O quê ou quem eu sou?

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 28/07/2010
Código do texto: T2404762
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