Transmutações (Para Nietszche)

Certa vez fui camelo

Levando nas corcovas minhas

O mundo, tal como Atlas

Que outrora fora condenado.

Não era um mundo mudo,

Pelo contrário, cheio de podridão, ele estava

E sua remota canção cantava

Assim como sereia de voz inebriante,

Levando para seu torpe deleite

Todos aqueles que sucumbiam...

Com todo este fardo segui pelo deserto

Sempre resignado, manhã pós manhã,

Sem rumo certo... Quando da aurora do meu nascente

Vi do outro lado o poente deste cansado camelo

Que das amarras densas se desprendia,

E dando forte rugido saldava o belo dia

Derramado com o sangue daquele ser anterior

Que não mais existia, era mera lembrança morta

De uma existência vã e inferior...

Com a força deste novo ser destruí as velhas correntes,

Tornei-me rei de meu deserto, confrontei o dragão

Que baforava o "tu deves" como última tentativa

De me fazer recuar, e rugindo eu respondia "não"

Quando finalmente meu querer venceu o "dever"

O dragão fora vencido, teve suas asas cortadas

Pelas facas de meu querer, de minha crescente vontade de poder

E desse ímpeto abrasivo pude enfim ser aquilo que fui outrora

Voltei a ser menino

Sem mais ter nas minhas costas os arcaicos valores do sofrer

Pude me despir das rotas vestes, e nesta hora

Pude renascer, sendo aquilo que vai além do que fui,

Pois do velho e trépido homem, nada restou.

JP 6/07/10