As Entranhas do Terreno

No vale verde de montanhas

o chão se abriu sob seus pés

quando ele quis conhecer

a outra face da verdade.

E, sem que houvesse tempestade,

a velha terra lhe sorriu,

mostrando-lhe a gengiva vermelha

e bem abaixo o fundo escuro, sutil.

Curiosamente seu corpo foi projetado para cima

antes de ser tragado pelas entranhas do terreno.

Depois ele foi descendo –

ficava cada vez mais fundo,

ficava cada vez mais preto –,

demorando-se bastante nesse percurso "inside".

Alguma coisa lá dentro o invade

na busca do pensamento que sumiu.

Aí ele resolveu admitir

que seria melhor se ele pudesse acordar

agora em seu quarto escuro,

e abrir com raiva a janela

pra se deparar com a tela

de um Raphael que não viu,

ou com aquela flor na lapela

que nunca um dia ele usou.

Mas nas entranhas do terreno

não tinha música barroca.

Que louca que vem, Madalena, me ouvir,

agora que alguém já não tem

aquilo que possa escutar.

Rio, 28/04/2005