Cotidiano Metafísico
A visão multifacetada da loucura em um mundo louco,
O relógio pulsando a sensação do tempo que flui delevelmente,
O relógio na parede é um coração sem corpo,
Nas madrugadas onde os olhos procuram coisas para pensar,
E a noite caminha até ficar ao lado de nosso ser,
E ela apalpa nossa pele plastificada,
E surge uma vontade atroz de decapitar esse ruído enlouquecedor
do relógio que penetra nas fendas de nossos corpos,
Como dentes de víboras inoculando
uma substância estranha, porém martirizante.
Engolir esse maldito ruído desse coração numérico,
Para depois vomitá-lo na metafísica do além alienante.
Os gritos inauditos da solidão silenciados
Na superfície das frivolidades matemáticas das contas a se quitar;
A preocupação que se transpira da calculadora,
Dos papeis cheios de planos,
Do tapete que ainda não colheu as pegadas dos filhos vindo da escola,
E há tantos segredos que se misturaram no cerne dos móveis e nas paredes dos quartos,
Que se houvesse alguma forma de exorcizá-los por completo,
Brados sombrios rachariam as conchas metálicas
Desses segredos amordaçados.
O olhar necromante sondando um corpo
A fim de mergulhar num momento sensual de alheamento,
Duas horas decorridas no leito suado onde dois corpos
Deixaram seus uniformes sociais nos degraus da escada,
Enquanto o amor narcotiza as emoções que teimam em se objetar.
As cicutas sagradas das religiões alucinogenando os adoradores solares,
E em seus livros sagrados excretavam odores nauseabundos
De sangue, gritos, maldições, promessas não cumpridas, barganhas indultas,
E medo, muito medo.
Os cães nas calçadas cheios de mistérios em seus olhares reluzentes,
Profissões que se odeiam para manter um estilo de vida vítreo e fulgente;
Fundeando num lento processo nicotínico de auto-desconhecimento,
Num fetichismo edipiano em partes isoladas do trabalho,
Do casamento, das diversões, das amizades, do cotidiano em si,
Onde o fluxo do próprio eu,
(ao acordar toda manhã magneticamente)
encontra-se desapercebidamente narcoléptico e neocontemporanizado.
Essas ruas saturadas de tanto sentir o panteísmo desolado de nossos pés,
Esposas depressivas tateando dentro de suas próprias almas
Uma faísca de esperança e alento que possa reverberar suas vidas desérticas,
Enquanto muitos tentam encontrar uma palavra, uma expressão verbal
Que descreva a mudez de seus sentimentos em coma.
O almoço à mesa,
E o silêncio triturado pelas bocas tão próximas uma da outra,
Como se cada cadeira estivesse localizada em universos diferentes.
Gilliard Alves