Ode Numenalista
Um beijo intenso
Entre antigos amigos
Que rasga o freio da língua
É útil.
Um suicídio violento
Dum banal desconhecido
Cujo corpo nunca descobrem
É útil.
Uma farofa com banana
Um jogo que termina em empate
Um verso perfeito pensado e esquecido sem ser escrito
São bem úteis.
Um suspense que termina mau
Uma sopa desprezada na geladeira
Um ventilador ligado no quarto mofado
São úteis.
Uma deusa
Que ele jamais tocaria
Nem mesmo em seus sonhos
Era muito útil
Muito útil à poesia.
Biscoitos duros demais
Ou muchos demais pra serem comidos
Máquinas de escrever analógicas
Posando de itens decorativos abstratos
Adstringências
Coloquialidades
Um pigarro desgraçado
Marretas construindo prédios
Tudo isto era bastante útil.
Armários cheios de tralha
Que ninguém nunca abria
Músicas que vinham à mente
Como falantes que soassem reais
Pequenas estripulias
Uma criança com o dedo atolado no nariz
Eram boas coisas
Boas pra boa poesia.
Ciências
Mitologias
Vícios
Tramas
Fadigas
Subornos
Mártires
Cadelas
Tudo útil.
Paneladas de macarrão
Grandes baseados bem verdes
Televisões desligadas
Corrupções bem modeladas
Dentes batendo de frio
Ou de doideira na anfetamina
Banhos de mar
Bundas gostosas
Eram coisas úteis
Demasiado úteis.
Risos histéricos de solidão
Um pão com manteiga no tostex
Uma barraca armada no quintal
Alucinações tenebrosas e suculentas
Bramidos
Gemidos
Filosofias orientais
Catapultas
Sonolências
Estalar os dedos
Cantar no chuveiro
Estas coisas ajudavam
Ajudavam um bom bocado à poesia.
Um abajur vermelho
Quadros mal acabados
Improvisos nunca repetidos
Um hotdog prensado gorfado
Eram ótimos.
Mesmo uma dor na lombar
Ou insetos insolentes
Uma moeda perdida num bueiro
Até um mero cadarço
Todos eram enfim cruciais.
Tão essenciais
Quanto os começos e os fins
Tudo de mais estúpido
E mais inerte
As melhores coisas
Vinham com voz própria
Faziam-se sentidas.
As boas coisas
Pra poesia
Eram as que glosavam sabor
Travalínguas do amor.