AMBIGUIDADE NO ESPELHO

- Meus olhos fixos no espelho...

Impassível, muda, do lado de lá,

a figura emoldurada me espreita.

Contemplo-a com olhos piedosos,

as marcas surradas de um tempo,

impiedoso, nas linhas que traçou.

De cá, eu miro atenta o teu olhar,

não vejo dor, amargura marcada,

nem tristeza grudada nas retinas,

apenas vislumbro a tua saudade.

Perscruto, tento ouvir-te na voz,

ou uma nota, murmúrio ou som,

denúncias, brados, ou até gritos,

continuas só a sondar-me calada.

Percorro-te na face os contornos,

cismo, ensaio querer provocar-te,

esboço alguns sorrisos maliciosos,

retribuis logo, com gestos iguais,

simultaneamente idêntica a mim,

ainda que invertida, és uma ilusão.

Quem és tu? Oh estranha imagem!

Zombas de mim, fazendo escárnio?

Ledo seu engano, não me assustas.

És matéria, ocupas lugar no espaço.

Jamais serás meu real e fiel reflexo.

A luz de minh’alma trai-te, a ofusca,

projeta-se e reflete dentro de mim.

De cá, quedo-me surda ao teu apelo,

apenas reavaliando o teu semblante.

Entendo-te agora, dos sinais na face,

marcados a força pela tua existência,

não afligem, nem torturam a vaidade,

São veleidades, só desejos efêmeros.

Na ambiguidade de meras imagens,

de corpo e alma, me espelho.

Celêdian Assis
Enviado por Celêdian Assis em 28/04/2010
Reeditado em 28/04/2010
Código do texto: T2224470
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