A Catedral do Silêncio
Eu costumava passear por aqui
Antes de tudo acontecer
Antes de ver-me partir
Sem poder-me conter
Teias de aranha, muita poeira sobre os bancos
E de trás das cortinas vermelhas do altar, rasgadas
Espreita-me fantasmagórica a cruz calada
Envolta em véus que um dia foram brancos
Os passos rangem na madeira carcomida
A chuva lava suas torres rusticamente em pé
Talvez por milagre, talvez por fé...
Um brinde à tua paz que por sempre ressuscitas!
Vitrais quebrados, muros pichados, bancos mofados
Teu tempo parece sangrar, deveras parado
Ouço as vozes dos anjos, cantando sua luz
Mantendo intacta, ainda que esquecida, a cruz!
Tudo é tão acelerado dos teus portões pra fora
Quisera eu, viver aqui como outrora
Antes do nascer e do romper da aurora
E antes da invenção das horas...
Tuas goteiras ecoam no escuro como um órgão da paz
Tocado pelas mãos divinas do nosso existir que jaz
Muito além do que um dia ei de compreender
Depois do nascer...
A chuva, apesar de forte, não assusta
E minha alma, curiosa, intrusa, confusa
Adentra-te agora abandonada, solitária
Amo-te, ainda que me pareças mortuária...
Amo cada centímetro de tua extensão
Permaneço sem coordenadas de exatidão
Mas sempre soube chegar até aqui
Ainda que pra encontrar-te me perdi...
Eles estão lá fora, eu sei que estão!
E não pretendem entender o que são
Estão tão ocupados pensando em si mesmo
Que não percebem estarem deixando-se à esmo
Uma de tuas câmaras, em ruínas
Submerge em lágrimas minha retina
O bem comum, a comunhão entre as vidas
Segue o mesmo destino de partida...
Tuas pedras gemem sob meus sapatos
Pareço pisar sobre os ossos quebrados
De um povo que se perdeu no tempo
E encontrou-se no próprio tormento
Então adentro-lhe outra vez, perplexo
Em teus vidros meu triste reflexo
Relampeja, troveja, peço calma aos céus
A cruz, calada, sacoleja seus véus...
Ainda há neblina perto da floresta
E a vida vista por um olho em uma fresta
Passa como segundos chovendo na eternidade
Como primeiros, eternizando a solenidade...
De cada momento na catedral do silêncio!
E os anjos continuam cantando, no ritmo da chuva...
Cinza...
Cinza...
Até que a nostalgia me toque...