Anjo de Mim


Como aprisionar um espírito inquieto?
Como evitar que suas fortes asas ergam-no em voo?
Voo muito alto,
para perto de seu sonho mais íntimo.
Distante lugar onde a visão
está acima das ideias presentes.
Como, então, fixá-lo no enredo do viver cotidiano?
Que fazer com aquele
que não faz ponderações sobre a liberdade,
mas simplesmente pressente que a tem?
Momento onde corre solitário por tantas trilhas,
move-se velozmente como que atraído pelo desejo de ir.
Tantas facetas de personalidades
habitando num único ser.
Extremo dualismo em parte o confundido,
em parte encantando-no.
Vivendo a vida, mas avaliando-a
como uma antivida
frente às suas expectativas.
Numa busca hercúlea
em ajustar-se à sobrevivência cotidiana,
mas sabendo que apenas vive de fato
nos momentos dos seus voos.
Momento em que a máscara
inventada não resiste à força oculta da alma,
alçando voo em busca da origem de tudo,
agitando a corrente sanguínea,
deixando inquietos os pensamentos e as emoções.
Observando algo que de tão translúcido,
faz cega a visão.
Sabe apenas
que ali desmaterializam-se as formas e as figuras.
Um novo universo perceptível
apenas a impressões diferenciadas.
Um mundo virtual a interagir
com aquele que julga real.
Um conflituoso sentir
onde mesclam-se prazer e amargura,
onde misturam-se encontro e a inexplicável saudade.
Existe algo além da constituição física do corpo.
Outros sentidos, que se não ilusórios,
denunciam outra realidade.
O ego orgulhoso teme
ser tomado por suposta mediocridade.
Teme entorpecer-se
com venenos da efemeridade.
Teme colocar em risco
a impalpável eternidade.
Tenta encontrar alimento para o espírito.
Quem sabe consiga ludibriar
a juventude do próprio corpo.
Inspira-se nas luzes renovadas
do sol a brotar na aurora,
cobre-se com o manto protetor
da azulada luminosidade lunar.
Ama o céu, como se ali
estivesse amigo e companheiro,
compassivo confidente,
ouvinte de seus sonhos e ideais.
Quem sabe, sábio conselheiro
para livrá-lo da tendência
destrutiva que parece haver na humanidade,
para alertá-lo da hipocrisia
que traveste de racional a insanidade,
para ensiná-lo a preservar o amor
da amargura que o envenena com ódio.
Para mantê-lo desperto
ante as paixões pelas coisas cheias de vazio.
Um ser dual , dividido entre corpo e alma,
imaginando haver um algo intermediário,
um pedaço de si.
Seu espírito a observar ,melancólico, 
aquilo que vê,
reconhecendo nisto realidade,
mas ocultando-a em amargo sarcasmo.
Dizendo a si mesmo
que talvez sejam quadros pintados com ilusão,
ou quem sabe ainda,
algumas verdades perfeitamente falsas.

28/07/1985 # 19/08/2000
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 03/04/2010
Reeditado em 14/01/2020
Código do texto: T2175467
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