Elegia a Zaratustra

Para que inutilmente, erguer minha veemente voz aos céus, se há muito tempo deixei para trás, como um incréu, a indigente muleta da fé?

Prefiro o intrépido galope do buscador agnóstico, atirando-me com gana aos inóspitos picos de meus dilemas, municiado unicamente das armas de minha razão.

Esta selvagem razão, companheira e conhecedora de meus problemas, sempre me diz: “não tema! Evites trafegar, como insensato, sempre na contra-mão”.

Não bradarei súplicas em busca de uma improvável clemência. Antes, com um temor previdente, atravessarei, respeitoso e silente, minha ponte de dúvidas – pé ante pé.

Em graves outros momentos, fustigado pelo açoite do feitor Sofrimento, cogitei de buscar dos homens, e também de Deus, um total isolamento.

Encontrei conforto na copa da árvore mais espinhosa, não em preces tristonhas, entoadas por gente vampira, bisonha: aquietei-me só – repousei no olho do furacão.

Não me enfurnei em grutas, nem em brenhas. Ao contrário: deixei que me caísse no lombo o peso da lenha, e quando não havia saída, lograva fugir da vida, escondendo-me em meu coração.

Não proponho qualquer absurdo: apenas insisto – carreguemos a nossa cruz, sem despejar em qualquer Jesus, a nossa pesada e indigesta carga de tormentos.

Quando a morte se aproxima para um animal já envelhecido, ele apenas se deita e espera tranquilamente a sua hora chegar, quase sempre servindo de alimento para que outros animais dêem continuidade a vida. As árvores, menos dotadas de sensibilidade, também seguem processo semelhante. No entanto, nós os racionais humanos, insistimos em abrir uma guerra perdida contra a Natureza, segurando despojos que só a ela pertencem.

Vale do Paraíba, tarde da terceira Sexta-Feira de janeiro de 2009

João Bosco (aprendiz de poeta)

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 18/03/2010
Reeditado em 06/06/2011
Código do texto: T2145906
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