Influências
Me faço pensar na gratidão que criei a estes e aqueles núcleos referenciais
No peso que me fiz carregar às costas afim de dialogar com os mortos e vivos que mais me ensinaram.
Uma batelada de bons músicos e poetas
Este e aquele filósofo zoroastra
Uma ou outra musa
Um ou outro melhor amigo
Me faço perceber que sem esta teia de relações em que me fiz grudar
Não haveria noção de espaço-tempo em minha obra
Nem muito menos qualquer chance de compreensão de dádiva.
Em casos raros
Minha influência sobre outrém se fez também notar mui notável
E então me dou conta de que faço alguma diferença pro mundo que me rodeia
Este mundo que roda e em que rodamos até que nossos pneus fiquem carecas e nossos carburadores nos deixem na mão bem no meio da estrada de terra do sertão sem fim
Bem claro que esta diferença pode até agora ser praticamente absolutamente irrisória
Se nos compararmos a Napoleões ou Cleópatras
Mas também me parece bem possível uma hegemonia intelectual nascida dum beco escuro do cosmos virtual de nossa contemporaneidade.
Quem sabe
Certo?
Quem sabe se as ordens que imponho a mim mesmo se fazem claras aos transeuntes que me lêem?
Quem sabe se as ordens que obedeço ou desobedeço em mim se fazem lições aos morosos que lutam pela vitória transparente sobre si mesmos?
E enquanto tais especulações compassivas me fazem regelar na certeza sólida de que mesmo nossas maiores certezas nunca serão tão certas
Enquanto a vida corre em torno de mim em velocidade estrambólica
Esculhambante
Enquanto meu tempo é quase estático em minha extática elucubração
Enquanto as harmonias do amanhã me presenteiam com verdes e roxos rubis duma esperança dialética e demasiado mundana
Enquanto tudo isto
Algum senso de virtude se apodera de mim.
Não sei bem qual virtude seja esta
Talvez a simples decisão de vibrar com a Terra seus desígnios tão simplórios
Mas seja como seja
Este senso de virtude me alcança repentino
Como um trovão que brota de meus dedos e ilumina por um instante passageiro todo breu de meu Desconhecido.
Fazer música e amar às mulheres
Manejar bem a marreta o açoite a pena e a alfaia
Alvear-me por meio de confissões disfarçadas de súplicas
Voar como águia por sobre o bolor o musgo o mofo e a erva daninha de toda ética dietética
Enrijecer toda flutuação de minha fibra e lubrificar cada partícula de minhas íris.
Quem sabe se o límpido azul celeste que me incendeia de paixão é tão claro a ti caro leitor quanto o é a mim?
E veja bem
Sou herdeiro duma fotofobia congênita por parte de minha mãe
Mas por força de iôgas anômalos e maracatus absurdos superei a fraqueza de minha genética
Não que ainda não alimente este ou aquele vício biogeoquímico
Mas ao menos faço-o em direção dum esplendor que esmague todo cálculo e previsão de ação em que me consumi.
E aos poucos
As pequenas verdades que cumulo
As míseras pétrias garantias que me permito
Formam uma rede de plasma e fósforo
Em que como tarântula perambulo em busca de insetos pro jantar
E aqui e ali me deparo com canções inescapáveis
Com valsas indescritíveis
Com musas e amigos inevitáveis
Aqui e ali me descubro algo feliz em minha pequenez
Feliz como deve ser feliz a borboleta em seu vôo sem volta
A hiena em seu torpor carnificeiro
O leão no regalo de seu reinado soberbo.
Quem sabe se te alcanço?
Quem sabe se és leve suficiente pra que o laço desta intimação te carregue às mais nobres venturas do inédito
Às mais inquestionáveis desventuras do coração?
Quem sabe se minha lealdade ajuda-te a arrastares a lagoa dourada de tua comoção ao grande oceano da segunda inocência?