O Lúcifer Arrependido

Quem é força individual sozinho,
quem foi cego a essa força,
quem ao se descobrir se assusta consigo,
quem não sabe por que nasceu,
mas que acaba por não poder recusar a vida,
quem pressente o próprio poder
e antes o teme
sabe que em si não encontra motivação para ser.
É necessário algo maior,
algo pelo que viver,
já que julga valer tão pouco.
Fácil seria se fosse humilde,
mas dura é a jornada
daquele que tem orgulho,
daquele que já odeia a guerra,
mas sente a atração por morrer na peleja.
Pacífico frente à paz,
mas cruel frente à batalha.
Bênção no amor,
terrível na fúria do ódio.
Filho da tempestade,
filho do raio,
filho do ribombar do trovão.
Filho da justiça,
dos raios que cravejam o céu.
Espada da vingança divina,
filho da cólera.
Filho da dor dos corações feridos.
Sendo forte e desejando ser pelos fracos,
sendo forte e querendo enfrentar os outros fortes.
Amigo dos fortes que também amam os fracos.
Filho da espada de fogo,
queima a força de um coração em chamas.
O fogo aqui não é quente, mas frio. 
O estranho fogo frio, frio de iceberg,
frio de geleira, duro como deve ser uma armadura.
De pouco valem as flores sem a poesia da brisa.
De pouco adianta a paz imposta pela força.
A liberdade de um tem que ser a liberdade de todos.
Vai, ave de asas quebradas, almeja o céu do qual caiu,
Lúcifer incauto da Criação.
Haverá de retornar à Casa do Pai que rejeitou.
Haverá defendê-Lo com ideal que lhe dá vida,
pois sabe que pouco vale,
sabe que o Pai não necessita,
mas o dever exige,
a gratidão é débito da honra.
Um guerreiro não morre antes do tempo,
embora, infeliz, consiga desejar
de fato a própria morte. 
Mas como morrer por nada,
como suprir a atração pelo combate?
Já são tantas as batalhas perdidas,
já são tantas as vitórias esquecidas.
A alma que se esgota,
antes, quer a lágrima que a liberte da exaustão
do que os louros de qualquer vitória
a ficar perdida no tempo.
Já se bastou, não vale por si,
mas vale por seus semelhantes,
pelos irmãos que são seus pais e seus filhos,
pois este é seu amor.
Este é fundamento da inquietação,
do velho senhor da guerra.
Pouco pode por si.
Muito precisa, pouco tem a contribuir.
Mas o tempo ainda não lhe deu paz.
Que esta seja a última pira
para o corpo de um velho celta,
o guerreiro oculto nos trajes de monge. 
O monge que junto ao cajado traz a espada.
E nem o cajado e nem a espada,
mas um novo instrumento. 
Algo novo, que só o tempo dirá,
pois que o encontro surgirá do suposto caos.
Ainda hoje foi ontem, ainda ontem será amanhã,
pois que brincamos nas dobras do tempo,
fugidos dos próprios destinos.
Entretanto, fugaz ilusão,
tudo está escrito 
no começo que desconhece o fim
mas haverá de sê-lo,
pois neste dia águia e pomba voarão juntas
para o ninho do único Pai.
Pois então saberão que nasceram
para serem irmãos. 
E o perdão de Abel será a chave
da prisão que libertará Caim.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 09/02/2010
Código do texto: T2077927
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