Amor Fantasma

Como um fio de brisa matutina

Ele transpôs, sutil, a fisga mais fina da janela

E penetrou em seu quarto, volátil.

Ela jazia ali, em sono profundo

Um sono assim... deveras belo. Um sono de feto. Um sono de Deus

Ele pousou num canto, de cócoras – inerme morcego invisível

Não tocou em nada

Nenhum livro agora haveria mais de o seduzir

Nem as roupas dela, soltas pelo chão

Nem seus discos antigos

Nem a velha guitarra

Nada

Só ela, branca, sob a penumbra do quarto

E ele ali, curvado. Olhos fitos nela, como se buscasse

Vestígios do derradeiro sonho que ela talvez sonhara

O cheiro do mar, ou do campo

O trinar de um rouxinol

O branco das roupas lavadas

O vento desvairando grãos de poeira tarde afora

Mas só ouvia o silêncio, ecoando como um tiro mudo

E quis chorar. Até pensou ter sentido mesmo lhe marejarem olhos

Ele, cigano ectoplasma

Um ente agora informe

Errante

Ser sem chão

E, absorto em si

Rendeu-se, pois, ao caos

E esperou, sereno, a alma dela vir juntar-se à sua.