Aqui é todo lugar.
Aqui é todo lugar.
José Pereira de Souza (Zé Peri.)
Para que eu chegasse aqui, bem antes do sopro do vento; deu-se o abraço dos meus pais que traziam os elementos. E em um curto desfalecimento, pela dor da emoção, duas químicas se uniram em uma edificação. O solstício anunciava o finalzinho do verão, e lá do trono os anjos louvavam o poder da criação. Por duzentos e setenta sóis eu fui gerado em sono profundo, até tornar-me um de nós e aparecer para o mundo. Eu fui um bebê cuidado por mãe, pai e irmãos. Era o dodói da família. O alvo de admiração, mas só até ficar taludinho e falar um palavrão. Fui uma criança travessa! Um adolescente agitado! Tinha uma volumosa cabeça, mas o crânio era desmiolado. Fui um adulto de visão estreita e mente sem conteúdo, mas me achava avançado e pensava que sabia tudo. Andei por caminhos tortos. Fiz votos e os cumpri. Desejei ver todos mortos, só para eu poder sorrir. Fiz pessoas sofrerem. Tentei induzir mensagens. Neguei-me aos deveres, visando levar vantagens. Mas nada de bom eu produzi, além de poucas bobagens. Agora estou eu aqui, mirando o fim da viagem.
Ao entrar na andropausa, eu parei pra respirar. Voltei pra dentro de mim e tentei me encontrar. Quem sou eu? O que eu sou? Por que eu sinto dor? Ah! A resposta não tardou! Uma frente fresca soprou vindo de acolá, então naquele momento, eu soltei o pensamento, peguei carona no vento e comecei a flutuar. Lá em cima estava eu; e lá embaixo também. No meio estava o meu nariz, que era promotor e juiz, e iria me julgar. Eu perguntei para mim mesmo. Quem é quem? Há alguém para explicar? A voz da consciência ecoou em meus ouvidos, senti-me meio perdido e sem saber o que fazer. A voz então retrucou, com veemência e rigor! Use a inteligência e faça o retroceder! Volte pelo caminho que a vida o fez percorrer. Mas ande devagarzinho. Pois só com muito carinho, poderá compreender. Junte os fatos marcantes, que a ti deram satisfação e compare com os ruins, aqueles da decepção. Esses últimos são as provas que deveria suportar. Os bons são boas novas e carece comentar.
Eu juntei minhas lembranças para tirar uma conclusão. Botei nos pratos da balança para encontrar uma proporção. Os bons eu botei em um lado e o fiel não cedeu. Comecei a por os ruins e logo o prato desceu. Eu tentei empurrá-lo para cima com a força que Deus me deu, mas parecia ter cola e o embolo nem se mexeu. Aí eu comecei o retorno, tropeçando nos meus erros. Em torno de um trevo eu girava no mesmo lugar. Vi algumas coisas boas, mas vi muitas coisas más. Andei circulando a esmo, preso na gravidade e logo senti saudade e vontade de voltar. Foi aí que descobri, que todo lugar é aqui e aqui é todo lugar.