Escolhos de Atlântida
Não mais quero construir a rima perfeita, a rima que explane com ímpeto a tempestade de areia em que se sente colhido o meu Ser, uma estrofe atroadora como salva de canhões.
Sinto minhalma parada, vagando angustiada, num deserto sem oásis, em que se desenrola um baile para o qual, debutante despreparada, não foi convidada.
A mente, confusa, vagueia arrastada por correntes de escuridão, conduzidas por fantasmas presos à coma de um errante cometa em rota incerta, desvairada.
Planeta inóspito, sacio minha milenar sede na vagalúmica luminosidade advinda de tuas hebdomadárias aparições, pejadas de substantivas hesitações.
Há momentos em que as palavras comportam-se como agiotas, cobrando-nos juros incompatíveis com os sentimentos que, através delas, queremos expressar.
Tornam-se pobres, mesquinhas e intransigentes palavras; então, ao invés de rimas comezinhas, Irei a Atlântida, uma outra forma de comunicação buscar.
Lá, quando ainda não aviltados por tantas atribulações, pensávamos; e aqueles que nós amávamos, de imediato sabiam o que queríamos e, quase sempre, não precisávamos verbalizar.
Não mais existe Atlântida – é um tempo sem sentimentos. Da hecatombe sobram escolhos da linguagem sutil, à deriva num mar pouco gentil, abrigados no verbo amar.
Não exercemos qualquer controle sobre uma ação executada. A partir do momento em que a ação saiu do pensar e passou para a materialidade, toda uma série de outras ações se coloca em aberto, às quais se juntam ações subseqüentes para cada uma delas, desencadeando um ciclo sem fim. Resumo da ópera: temos muita dificuldade em aceitar que nada sabemos daquilo que pensamos saber.
Vale do Paraíba, manhã da terceira Sexta-Feira de Abril de 2009
João Bosco (Aprendiz de poeta)