NÃO CUIDEI DO SILÊNCIO
Hoje, não tive tempo de escovar a alma
com as cerdas da atenção, do carinho e da observação.
Fui precipitado em quase tudo o que fiz.
Não ouvi o canto do pássaro e nem toquei o orvalho
prateando o dorso da relva pela manhã.
Os raios de sol infiltrados entre a ramagem das árvores
não foram notados por mim.
Os beija-flores tornaram-se invisíveis,
e as borboletas se ocultaram, misteriosas.
As fragrâncias do dia e da tarde,
o doce aroma de romã e jasmim
passaram incólumes por mim.
As aranhas teceram segredos em fios de luz,
imperceptíveis aos meus olhos cegos.
O zênite e o cair da tarde
escoaram-se nas areias do esquecimento.
Não cuidei do silêncio
que germina as pequenas flores azuis
da quietude no pensamento.
Agora, nesse momento mágico de estrelas de prata,
meus sentidos aguçados penetram a alma da noite
em percepções de ouro e diamante.
Como fui tolo por todo o dia em meu sono de olhos abertos!
Mas a noite chegou.
Sinto-me vivo em cada poro.
Com ouvidos atentos percebo a canção dos grilos.
E no brilho intenso do vôo breve do vaga-lume,
decifro o mistério do universo.