ANÁLISE

(Fernando Pessoa)

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.


* Fernando Pessoa in CANCIONEIRO, OBRA POÉTICA.
   Ed. Nova Aguilar, v. único.



* Do livro de cabeceira, em leituras noturnas,
compartilho com vocês este instante em Pessoa. Quando não estou, ele está. Se ele está, não me percebo.
Um abraço a todos
.

LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 21/08/2009
Reeditado em 21/08/2009
Código do texto: T1765821
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.