Ode à Morte
Vem, ó Morte!
Vem e dança com minha alma nesta noite palpável,
E que cada toque de nossos pés sobre as estrelas sucumba
todo revérbero vital de seus corpos,
Meu corpo pertence a teus braços, ó Morte,
Todo o meu ser anseia em dormir em teu ventre.
Vem, ó Morte,
E não me esclareças nada sobre os enigmas indecifráveis da existência,
Que as tuas garras dilacerando meu corpo seja o fim de tudo,
Completamente de tudo,
E te peço, ó Morte, que não me mostres nada
sobre o que pode haver por trás de teu manto plúmbeo.
Vem e seja rápida, ó Morte,
Minha fiel amiga que sempre esteve ao meu lado
desde que eu era um simples embrião,
Todos os meus segredos mais íntimos estão guardados nas palmas de tuas mãos,
Tu nunca foste fingida e nem hipócrita como o resto da humanidade o são,
Sempre te apresentastes a mim como tu és,
E jamais como eu queria que fosses.
Por isso amo a tua integridade e sinceridade, ó Morte,
E te peço que me translade para o inacessível do Imperscrutável,
E me leves para o abismo mais longínquo
desses bípedes simiescamente inscientes de tudo,
Cuspidos por um deidade sadista e antropomórfica,
Acorrentado em seu trono áureo e precioso,
Inertemente e imprestavelmente onisciente, onipotente e onipresente.
Vem com o teu cajado, ó Morte,
Quero copular selvagemente contigo nesta noite afagável,
Quero sentir teu corpo sombrio invadindo e penetrando
em todos os becos inacessíveis de meu ser,
Quero sentir tua língua se acasalando em minha boca,
E sentir finalmente toda energia de meu corpo se esvaindo de mim,
E entrando na ampulheta sinestésica do Vácuo,
E que teus braços transportem qualquer misticismo do meu ser
para o Leito de teu ser, minha amiga Morte.
Vem com o teu cetro e o teu manto, ó Morte,
Pois a Vida é uma miríade abismal de mentiras e de ilusões,
Vem e retira-me para sempre desse oásis desértico que se denomina Vida,
e todos os meus “eus”, infiltrados no âmago de teu corpo,
Finalmente encontrem a paz, o sossego, a inexistência e a inconsciência plenas, absolutas.
Meu coração é um iceberg flutuando a esmo pelo Universo.
No silêncio tenebroso da madrugada,
Enquanto a humanidade persiste em hibernar,
Minha alma caída ao chão da sala
batiza minhas mãos e meu rosto marmorizados com minhas sacras lágrimas.
Dá-me, ó Morte, dá-me a tua mão,
E leva-me para o sarcófago impenetrável da intrasição completa.
Ó minha terna e onipresente Morte,
Minha segunda mãe tão temida, desprezada e tão dogmatizada de tantas formas Pela espécie que se autointitula “raça humana”,
Sou teu Édipo neocontemporâneo que decifrou e levou ao suicídio coletivo
Todos os Dédalos sibilinos da Existência,
Que degolou o próprio Pai (a golpes de metáforas palpáveis a sangue-frio).
Vinde a mim incestuosamente,
Ó minha tão incompreendida mãe a quem chamamos Morte,
E transubstancialize todo o meu ser em um não-ser eterno,
Minha consciência em total inconsciência,
Minha tangibilidade orgânica em incorporeidade indelével e indissolúvel.
E que não haja nenhum tipo ou formas de metamorfoses,
E nem absurdas metempsicoses.
E que o mistério torturante de Tudo se finde no único golpe desferido
No cerne de minha alma pelo teu cutelo, ó Morte!
Desmembrai-me, eu te rogo,
Desmembrai o meu ser corporificado por essa bizarra civilização
Em bilhões de microscópicos pedaços,
E sopra-os no rio sempiternamente insubstancial do Nada,
Pois a Vida é uma chaga flamejante que nos flagela a cada instante.
Não te demores, por favor, ó Morte,
E Vem salvar-me dessa insanidade que é o Existir,
Pois estou cansado exauridamente de viver, de pensar, de querer coisas, de sentir;
Vem e decepa essas tristezas que me corroem de tanto e tanto analisar a Tudo...
Vem, minha donzela, e apaga toda a minha consciência de mim e de tudo,
E que nem reste o pó atômico de minha inexistência.
Deusa do nada e do vácuo: amo-te
E quero possuir-te nesta noite vazia, bela e fria!