ADMIRANDO O CREPÚSCULO

O etéreo se mitigando vai

Á medida que a baixa tarde solar

Irremediavelmente se faz cair

Sobre nós.

Gradativamente,

O etéreo do azul

Vai se perdendo,

Vai se desencontrando de si mesmo,

Vai se transmudando

Num levemente esbranquiçado vermelho

Que logo é sucedido por um breve azul-marinho.

Então, ele, em seguida,

Assume a forma de azul-basalto:

Assim, um outro etéreo do firmamento

Aflora. O etéreo do negro mar

Qual, sob o comando da nave lua,

Domina e guia os passos

Do céu meio aceso, meio sonâmbulo, meio silente orvalho

De lume cor candura!

Porém este novo etéreo absconde enigmas:

Não por ser negro. O negro é

Um diamante que emite uma luz magnífica.

No entanto, seu eflúvio

Difere dos outros dias. Mostra-se

Criatura voraz, facínora

Pois traz na saliva o sangue de incautas crianças!

Por trás de um véu obliquo e sombrio,

Repousa sua acossadora forma:

A face de Pandora.

Ah, e a flor da exultação brota

Dos lábios soezes dos eunucos da decência

Quando veem o desespero soçobrar

A alegria de desejar a vida de qualquer maneira.

Ah, ao pensar

Que estes assassinos seriais do amor

Governam esta atmosfera noturna,

Percebo que o etéreo deste negro

Também se tresmalha, se dilui:

Vira nada. E o que resta

É uma celeste bruma medonha.

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA