Humano demais

Somos pedaços de Deus

sob o signo do tempo,

corpo de luz esvaído

ao frágil sopro das horas,

borboleta encarcerada

na inércia dos casulos.

Somos o verbo inflamado

que nem se sabe murmúrio.

Sísifos de eras modernas,

divisamos, consternados,

a queda sem-fim dos dias.

Somos ribalta em penumbra,

flor de luto, fogo-fátuo,

ar rarefeito, centelha

que ignora e traz em si

a essência da fogueira.

Alimárias do universo,

erguemos, inconseqüentes,

o fardo livre do arbítrio.

Somos migalhas do eterno,

ouro vulgar de Eldorado,

mirante entre turbilhões,

luz em mãos de moribundo,

face-mistério da lua.

Bando de pássaros mudos

que ao toque do Ângelus fere

um céu sedento de canto,

somos razão em delírio,

rastro de Halley, sol posto,

cenho ferido de morte,

água barrenta que esquece

o veio de onde jorrara.

Somos pedaços de Deus

sob o signo do tempo.