ESTRELAS FIXAS

Tema

Meu tema é a consciência

E a compaixão da consciência

Que em atos diários se revela:

A vida que o silêncio resseca

E os nós na árvore do homem.

O que devo saber, enfim?

Escrever poesia inédita

Contra os literatecos?

Descrever pactos faustianos com o Diabo

Quando todos já os conhecem,

Sendo capazes até de angelizá-lo?

Prantear a lousa de falsos mecenas,

Beber cicuta e delirar?

Condenar a apraxia das letras no país

Ou escrever uma Vida dos Santos?

Defender o escolasticismo casual

Contra os pândegos do idioma?

Traduzir os Upanishads

Adaptando-os para crianças famélicas?

Exercitar uma oratória demostênica

Sobre o emprego de lexemas tardios?

Adiantar meu relógio, ser ou não ser iogue?

Minha meta é a consciência atual

Que perece no poço absoluto dos medos

À espera de novos bebedores.

Meu tema é minha meta.

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PEIXE NA FONTE

ele sobe a fonte, esguio, flamejante,

o peixe, que não tem consciência

se é peixe real ou só uma crista de onda

que a natureza dotou com a centelha atroz

do ser vivente.

o antes e o depois da vida e da morte

são sonhos de peixe obstinado

que nega ou afirma

por puro prazer

e verbal fluência.

que importa se é um ou outro?

para ser real, é preciso ser ativo;

é vital ser um ou outro?

uma coisa é certa:

ambos pertencem à corrente.

se há algo além, são os outros peixes,

e isto não se há de negar.

a realidade externa, o Todo,

é ditada por eles, mesmo que se obstinem e se alheiem.

a fonte, assim, nunca terá fim.

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Nossos ritos elêusicos mostram o universo tal como ele é:

A força do vento em cada janela e

Janelas que se abrem e fecham.

A mente monótona do tempo pulsa

Na noite momentânea e doce, e

Além de sua pele sensível está:

Não há realidade instantânea.

Ofuscada pelo sol da percepção,

Ela sustenta o mistério.

Sondar a realidade, reaproximá-la

É a Grande Obra, que permanece

Oculta pelo esplendor da luz que mana.

A essência, a vida, é o súbito éon

Que chamamos instante, onde o

Universo está como um todo.

O universo, contido todo num instante, contém todos os instantes.

Há uma visão com a qual

Não falhamos.É aquela que

Observa de dentro do universo.

Um ser que se sonha olhando afora

Desperta o seu próprio interior

E vê que foi também sonhado pelo afora.

Por reflexão, eles- exterior e interior- são um.

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O intervalo entre duas cores é, também, uma cor?

Não há nexo real

Só elos montados

Com a tensão dos momentos

E reflexos criativos

Das peças em preto e branco

Do mosaico do tempo.

Ouça o Possível tomar forma.

É o som que penetra na rocha

Do pensamento e lá sucumbe

Moldado e lapidado como o diamante

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outono

A chuva se acomoda sobre a vila

Como um tigre branco, dormindo

Os habitantes se encolhem. E esperam

Que o luar desça sobre o campo.

Um menino sai à rua. Tocando as gotas,

Vê em cada uma um tigre pequeno.........

E, sob eles, uma vila igual à sua.

Já não sabe mais se vive numa gota ou no mundo real.

-O mundo real, diz o tigre maior, obstina-se em negar.

Por isso, é redundante.

Entre as constelações, a lua desce,

Sua prata candente vapora as gotas,

Que sobem qual borboletas. Agora,

A vila é um lago de calma.

Porém, o menino é tristeza,

Que miraculosamente preenche o éter,

Expectativa oculta.

À noite, em sonho, o menino e o tigre....

(para Maria Cleide)

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lágrima parada

eu escutei o celeste apelo

da titânica lágrima do vácuo

que jaz no exterior, parada no tempo

como um talo de planta se quebrando

escutei o senhor do dentro

gritar do fundo da tarde

que ela era dele, de mais ninguém

enquanto caía, no desmazelo,

era enorme e parada:

assim é o sonho- disse meu mestre

eu estendi meus braços

e toquei a jóia plena de bondade...

tu ofendestes o senhor- o roshi grita-me

mas eu escolhera a graça ideal, prônuba e virgem que há

no amor da mulher.

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ondas

ondas batem contra o rochedo

a lua brilha e percorre a escada

que o sol deixa no crepúsculo

e que se sustenta em sua própria luz

a ossatura noturna se destaca contra o mar alto,

ocupado com o ir e vir incessante de seu sangue verde

trevas enfim dão ao mundo

o aspecto elíptico de uma lúnula

que flutíssona cai

nas ondas zodiacais que abarcam

um universo diferente

a luz zodiacal transmuda em flores os planos onde é custosa e poeirenta a transcendência da matéria.

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Filicio Albara
Enviado por Filicio Albara em 07/05/2009
Reeditado em 07/05/2009
Código do texto: T1580269
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