O Monge Guerreiro
 
Eis que lhe apareceu aquele
que vinha de longe
e lhe deu uma espada.
E ele não a quis. E a vida, 
querendo se vingar,
zombou-lhe mais uma vez.
Ele, já traumatizado pela luta,
sentiu a sua autoconfiança
completamente esmagada.
E ouvindo no silêncio a predição: 
deveria renascer
das suas cinzas.
Uma situação difícil,
pois tinha raiva de si
e de todo o mundo.
Queria desprezar aqueles
que pareciam querer buscá-lo.
Queria libertar-se
das inconveniências
que lhe perturbavam o cotidiano.
Muito buscou e, ao fim
dessa busca, concluía apenas
pelo que não deseja ser.
E misturou dentro de si
um intenso orgulho do qual,
logo depois, se envergonhou.
Visitou-lhe uma pesada culpa,
feriu-lhe a alma
e lhe atingiu terrível remorso.
Não entendia a confusão que fazia.
Vitórias e derrotas se misturavam.
Seus significados se embaralhavam:
perdia quando ganhava e vice-versa.
Assim, foi perdedor em meio a vitórias,
e vitorioso em meio a derrotas.
E, então, os olhos
que nada enxergavam,
a visão que estava nublada em trevas.
Despertou para ver
o que os outros não conseguiam:
olhos da alma.
A razão, que havia
se tornado árida,
fertilizou-se, expandiu-se
e a visão se abriu.
Naquele instante,
o que parecia ser mera imaginação
ganhou contornos de realidade.
Descobriu que poderia fazer poesia
com as palavras divinas do Criador.
E cheio de estranha intuição
que lhe revigorava o espírito,
novamente desejava a luta.
E a luta não se fez de rogada,
intensificou-se ainda mais,
açoitou-lhe até a exaustão.
Pensando estar erguido em glória,
não teve forças para se sustentar
em seus ideais.
E de forma soberba
caiu novamente; não tinha forças
para se erguer.
Mas foi nesse momento
que o velho guerreiro reuniu forças
para se ajoelhar.
E clamou aos céus
pela paz que nunca havia desejado
com tanto fervor.
E sentindo o silêncio
que não lhe respondia, exaurido,
optou pela torpeza da fuga.
Já ia longe quando, novamente,
foram buscá-lo.
Agora lhe ofereciam um cajado,
e isto o assustava profundamente.
Tentando fugir do seu destino,
disse ser ele de outro.
Nesse momento,
esse outro lhe surgiu a dizer
que queria dividir com ele.
E vendo a confiança
nele depositada,
sentiu-se feliz,
e com a mais franca gratidão.
Mas pensando no que teria
que fazer sentiu
profundo medo,
triste com sua impotência.
Envergonhado, mostrou
ao primeiro as mãos vazias,
e lhe falou do vazio de seu coração.
E que queria lutar,
mas não sentia ter mais forças.
Pediu, então, perdão
por sua vulnerabilidade e fraqueza.
O outro, com olhos mansos,
dirigiu-lhe aquele olhar
que parecia reconhecê-lo
como um forte.
E num gesto tão natural
que poderia parecer impulsivo,
abraçou-lhe como se fossem
pai e filho.
E reconheceram-se
como pai e filho.
E, saciados em suas dores,
reconheceram-se irmãos.
Irmãos pela eternidade:
um que já era liberto,
e outro que ainda
era escravo do destino.
E o liberto, como um médico,
cuidou do ferido coração
do ainda escravizado
que, sentindo novamente
o peito ocupado, parecia renascer
em forças e existência.
E veio, então, a consolação.
E pensando-se acompanhado,
logo se percebeu sozinho.
Na solidão identificou
as suas forças renovadas:
renascera, afinal, das suas cinzas.
E as cinzas formaram a imagem
de um monge guerreiro armado
para conquistar a paz.
Armado de um cajado
que seu inseguro amor sentiu
todo o peso de carregar.
Armado de uma espada,
quando o seu destino
de justiça tentou lhe dar
a alforria da alma.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 20/04/2009
Código do texto: T1550457
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.