O Gafanhoto do Tempo

Um gafanhoto escalou o muro,

colidiu num vôo cego

com a parede do meu quarto

e ali passou a noite imóvel.

Descansou o dia

meditando no jardim.

Reguei-o como se rega a flor,

molhei seu disfarce de folha nova

e ele nem me notou.

E agora me observa

do alto da parede.

O tempo salta como ele

e ele não o percebe.

O inseto invasor vê meu sono agitado,

pousa sobre o lençol,

marcha por meu corpo

e pisoteia as minhas costas.

Viro-me na cama

e ele foge assustado

até a porta do armário.

Inspeciona meus pequenos tesouros,

não imagina o que seja um espelho,

não entende meus livros,

nem se interessa por meus discos.

O gafanhoto do tempo

escala um novo dia

e quando eu abro os olhos

o espião se disfarça de folha

no quadro da parede!

Antes de bocejar

vejo-o tremendo,

mas não me importo

com a velha pintura.

Abriu as asas

e planou pelo espaço

pousando sob a cama

em que estou sentado.

No escuro, vê meu pé

entrando pelo túnel azul

da calça jeans,

enforcando-se lentamente

no sapato apertado.

Segue então para a luz,

curioso por não ver

um de meus pés.

À beira da cama

viu minhas mãos

amarrarem o cadarço.

Admirou por um instante

o alto-relevo do solado

aproximando-se de seu corpinho verde.

Não se moveu o pobre...

hipnotizado!

E morreu esmagado

sob meu pé direito...

sob a luz da manhã...

sob o peso da ignorância,

sob o acaso da circunstância,

sob a superioridade da evolução,

sob a razão da fatalidade!

Bernardo Maciel
Enviado por Bernardo Maciel em 16/04/2009
Código do texto: T1541918
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.