O Gafanhoto do Tempo
Um gafanhoto escalou o muro,
colidiu num vôo cego
com a parede do meu quarto
e ali passou a noite imóvel.
Descansou o dia
meditando no jardim.
Reguei-o como se rega a flor,
molhei seu disfarce de folha nova
e ele nem me notou.
E agora me observa
do alto da parede.
O tempo salta como ele
e ele não o percebe.
O inseto invasor vê meu sono agitado,
pousa sobre o lençol,
marcha por meu corpo
e pisoteia as minhas costas.
Viro-me na cama
e ele foge assustado
até a porta do armário.
Inspeciona meus pequenos tesouros,
não imagina o que seja um espelho,
não entende meus livros,
nem se interessa por meus discos.
O gafanhoto do tempo
escala um novo dia
e quando eu abro os olhos
o espião se disfarça de folha
no quadro da parede!
Antes de bocejar
vejo-o tremendo,
mas não me importo
com a velha pintura.
Abriu as asas
e planou pelo espaço
pousando sob a cama
em que estou sentado.
No escuro, vê meu pé
entrando pelo túnel azul
da calça jeans,
enforcando-se lentamente
no sapato apertado.
Segue então para a luz,
curioso por não ver
um de meus pés.
À beira da cama
viu minhas mãos
amarrarem o cadarço.
Admirou por um instante
o alto-relevo do solado
aproximando-se de seu corpinho verde.
Não se moveu o pobre...
hipnotizado!
E morreu esmagado
sob meu pé direito...
sob a luz da manhã...
sob o peso da ignorância,
sob o acaso da circunstância,
sob a superioridade da evolução,
sob a razão da fatalidade!