Antiguidade

Tenho tantos anos quanto me cabe...

E a existência me transcede

Vozes antigas, povos esquecidos

ainda falam em mim

Em meus olhos, os profundos olhos ancestrais

ganham luz...

Por minha boca, gritam multidões inteiras

em cantos, batalhas, louvores

Por minha pele, quantos sentidos

quantas Helenas, Medusas, Iracemas

quantas paixões sagradas

quantos ardores profanos...

Em minha vida, um sopro arcaico

permeado de tantas vidas me habita

e em mim ganha força, cresce, rejuvenesce

a cada alvorecer...

Em minhas narinas

revivem cheiros, pudores

fragrâncias antigas.

O ocre o doce o amargo o sal a chuva

num balanço infindo

como o vento arrastando-se

por entre o tempo.

Na boca, línguas, palavras, dialetos vários

revolvendo-se entre gostos sabores dilemas

e aquele mesmo sorriso arqueológico

sorrido tantas vezes antes

por povos inteiros...

Em meus ouvidos há todos os gritos

os clamores, os silêncios todos

um coro de vozes dos que já passaram e dos que ainda virão.

Repique, tamborim pedra pena e atabaque

soando em meio aos séculos, em cânticos, exaltações, brados de guerra...

Em minha fronte, a sede... a sede antiga, universal, de todos os homens

a sede e a ânsia infinita, nunca saciada...

Por minhas mãos escorrem o ouro e o sangue milenar

entre oferendas, sacrifícios, ambições e festanças

dilúvios, ossos, selvageria, matanças.

Em minha boca este gosto amargo de sangue que me segue...

Tenho tantos anos quanto me posso

mas em mim cabe tanto...

E sou parte, e sou todo

sou razão e sentido

mundo e vazio

- sou pai e filho nessa grande festa

que me contém e me ultrapassa

me toma e me devasta...

Sou semente, fruto, sou flor...

Pedra e pássaro...

Gota de orvalho que se dilui por entre as gretas da escuridão

dessa dança sem fim...

...para amanhã de novo ser luz.

Dani Santos
Enviado por Dani Santos em 03/11/2008
Código do texto: T1262728