Antiguidade
Tenho tantos anos quanto me cabe...
E a existência me transcede
Vozes antigas, povos esquecidos
ainda falam em mim
Em meus olhos, os profundos olhos ancestrais
ganham luz...
Por minha boca, gritam multidões inteiras
em cantos, batalhas, louvores
Por minha pele, quantos sentidos
quantas Helenas, Medusas, Iracemas
quantas paixões sagradas
quantos ardores profanos...
Em minha vida, um sopro arcaico
permeado de tantas vidas me habita
e em mim ganha força, cresce, rejuvenesce
a cada alvorecer...
Em minhas narinas
revivem cheiros, pudores
fragrâncias antigas.
O ocre o doce o amargo o sal a chuva
num balanço infindo
como o vento arrastando-se
por entre o tempo.
Na boca, línguas, palavras, dialetos vários
revolvendo-se entre gostos sabores dilemas
e aquele mesmo sorriso arqueológico
sorrido tantas vezes antes
por povos inteiros...
Em meus ouvidos há todos os gritos
os clamores, os silêncios todos
um coro de vozes dos que já passaram e dos que ainda virão.
Repique, tamborim pedra pena e atabaque
soando em meio aos séculos, em cânticos, exaltações, brados de guerra...
Em minha fronte, a sede... a sede antiga, universal, de todos os homens
a sede e a ânsia infinita, nunca saciada...
Por minhas mãos escorrem o ouro e o sangue milenar
entre oferendas, sacrifícios, ambições e festanças
dilúvios, ossos, selvageria, matanças.
Em minha boca este gosto amargo de sangue que me segue...
Tenho tantos anos quanto me posso
mas em mim cabe tanto...
E sou parte, e sou todo
sou razão e sentido
mundo e vazio
- sou pai e filho nessa grande festa
que me contém e me ultrapassa
me toma e me devasta...
Sou semente, fruto, sou flor...
Pedra e pássaro...
Gota de orvalho que se dilui por entre as gretas da escuridão
dessa dança sem fim...
...para amanhã de novo ser luz.