Claro I, II, III

I

Em volta é um escorrer frio e contínuo

Pela madrugada,

Onde o não saber-se matéria ou metafísica

É o relógio que vai

Sem que dia ou sono venha

E sem ir, distancio-me:

Sou entre as solidões, frenéticas bailarinas das ruas.

Sou, à invadir narinas puras, entre o pó e

alucinações.

À dominar, violentar células,

Entre o cheiro que sai dos esgotos, guetos.

Todos os gritos, todos os atos e todo o desconcerto

Integrados num todo só-coerente de gás e pasta

Irresistível e intorpecente

É o que meu desejo quer pra mim

E quer sem saber,

Quer inocentemente.

II

E é madrugada

E a enxurrada de sereno-sal

Transborda-me e agora já nem penso

Já não pertenço a lugar algum

E a cada passo esqueço de contentar-me.

Não, não consigo parar de desfazer-me em poeira

E saltar de abismos concretos

De edifícios e fumaça de carros em volta

E ter os olhos na nuca

E tropeçar pelas esquinas

Pois tudo isso é um inevitável explodir-se,

É um gozo insaciante...

III

Agora observo o tempo e ele é o ladrão

De minhas alegrias, sofrimentos,

O constante evaporar de imagens.

É ele que envenena-me à tardinha

Quando o vento brinca de imitar

Em meu rosto, mãos de namorada...

- Ah, a madrugada!

E o passado é uma folha seca caída ao chão.

As coisas desdobram-se em novas.

As mesmas coisas

SOLIDÃO. Força. MEDO.

As mesmas coisas desde o início

As mesmas coisas e nomes diferentes

Gravitando (úmidas como todo o resto) pela

madrugada...

- Olha, que a poesia é o presente!

E colho as palavras dos meus dias

De lábios passados, tão ausentes...

Mas é madrugada agora

E ninguém conhece o meu delírio.

Não há beijo de boa noite

Nesta busca inconsciente e vã

do tempo

do sono

do sonho

perdido(s)

fecham-se os olhos

e o mundo

não leva mais que um segundo

para ser outro

outro alvorecer (escorrer)

Harley Dolzane
Enviado por Harley Dolzane em 15/01/2006
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