UMA MESA NA PRAÇA
Por um amor mal curado
o homem rasga o peito, olha, verifica
a alma ferida e alopradamente descuidado
esquece o pão que a vivifica,
sem saber do encanto no escuro,
bebe o sangue branco espumante e impuro,
e come a própria carne viva.
Por um amor não esquecido,
o homem compõe disritmada canção,
grafita a letra desconexa na parede cor salmão,
cifra a melodia que ruge nas entranhas,
espalhando o som na poeira da vida
observando a esquisitice das coisas estranhas,
que acontecem no absurdo barulho surdo da meia noite.
Por um amor mal compreendido
o homem senta na praça da ilusão
aspira a fumaça da erva-santa
exalada pela boca da mulher,
que num canto beija outra boca igual,
tempo moderno naturalidade é o tema,
como natural é o enigmático teorema
de quem sabe o que quer,
e vem perpetuado no olhar demoníaco angelical
que estraçalha a amarga convicção.
Em nome do amor
o homem sem versículo nem capítulo
cospe abaixo a paixão
engole seco o perdido orgulho,
declara-se réu confesso também,
e renasce nas águas frias da desilusão,
chamando a vida que a vida não tem,
sorri contrafeito e tira do peito
esse amor agora semi desfeito,
sem compasso,
sem abraço,
sem graça,
sem amasso,
nu ali na mesa da praça.
ANDRADE JORGE
26/03/08