Musa endemoniada
Musa endemoniada
que inspira minha malícia,
cúmplice no crime
de matar minhas agonias,
espero te encontrar
na galeria dos sonhos,
e, ainda que estejas de costas,
olharei à tua cara
e acharei cem tangos
no fundo dos teus olhos.
Sentado ao piano das horas,
os dedos da noite
tocarão esperanças
vividas só na ocre fantasia.
Cada passo retumba
ao devolver as paredes
o ecoar dos bandoneons.
Minha estupidez profana
obriga-me a moderar meus passos;
o corpo grita
e seu rugido surdo
desafia o gume da vertigem,
o guardião da ponte
e seu lascivo rosto.
A ponte se alça
sobre o rio da morte;
do outro lado, espera um réquiem
e um destino.
Guillermo Abraham
São Paulo, 6 de abril de 2005