INSÓNIA

Passei as trevas a velar a Noite...

Pobre Noite, minha!

Grávida de amarguras, insone de sonhos!

E a Lua, lá fora, prenhe de falsa esperança...

Passei a noite a desfiar rosários,

em contas de estrelas descrentes de luz...

Pobre Noite, minha!

Em ânsias de parto, em ondas de dor,

gemendo no eco dos ventos de breu!

...E o Dia que tarda, não se quer dar à luz...

Passei o negrume à cabeceira da Noite,

contei-lhe histórias, para iludir a angústia,

que vinha e voltava, em espasmos de medos

e diluía os uivos dos lobos, nos seus...

Seduzi-lhe o sono, lembrando-lhe dias

que parira em flores e brilhos de Maio,

envoltos em Sol e adormecidos por cantos

de pássaros jovens em enamorados gorjeios...

Acariciei-lhe a fronte, tomei o seu pulso,

mas a pobre Noite, fria,

recusava as forças, desesperava o Dia!

Pobre Noite, minha!

Enfim...

Tomou minha mão e, em eco cavado

em grutas de alma e gritos de guerra,

extinguiu-se, lívida, banhou-se de orvalho,

deu-se à claridade, em estertores de sangue!

E os meus dedos trémulos, ineptos, inábeis,

moldam orfandade em poder maternal,

lavam-lhe com lágrimas os vestígios do parto,

e estendem o Dia a secar ao Sol...

Pobre Dia, meu!